Estarão as crianças e jovens prontas para uma nova normalidade? O que é que essa situação implica em termos práticos, no quotidiano dos mais jovens? Falámos com o psicólogo João Fernando Martins sobre os efeitos de mais um ano letivo vivido em pandemia.
Este ano, as crianças voltaram a passar por um confinamento, mais “intenso” do que o anterior, pela gravidade dos números. Quais considera terem sido as consequências para as crianças e adolescentes?
O período de confinamento pode ter sido bastante danoso para a saúde mental das nossas crianças e adolescentes. Apesar de ainda estarmos numa fase de poucas certezas, a investigação científica tem mostrado que estas fases de contenção onde não existiu escola presencial e o “ficar em casa” foi uma normalidade, pode ter potenciado o aumento do mal-estar psicológico.
Acho importante que se considere este tempo como potencialmente danoso para estas faixas etárias, mas é importante também que seja visto também como algo multifatorial. Pode tornar-se relevante pensarmos que além do impacto que o vírus provoca, também outras causas estão associadas a esse potencial dano, como são exemplo a precariedade e a perda de rendimentos das famílias, o aumento dos níveis de stress e ansiedade dos próprios pais e a limitação social em termos de contacto físico com os amigos, que tão importante nos mais jovens.
A que sinais devem pais, professores e educadores estar atentos a nível da saúde mental? Sobretudo agora que a escola está a terminar e a “poeira” a assentar.
Acima de tudo de mudanças bruscas e significativas no comportamento das crianças. A sintomatologia pode significar muito ou pouco, dependendo do mal-estar que ela provoca e do seu prolongar no tempo. Por vezes um simples quarto desarrumado pode significar muito mais do que isso.
A par disso, se de um momento para o outro os pais e educadores notam que a criança ou adolescente está mais fechada evitando brincar ou privar com os restantes colegas, se está mais irritada do que seria normal, se perde ou ganha peso rapidamente, alterou hábitos de sono ou se está mais ansiosa sem razão aparente… Podem ser sinais importantes que requerem uma avaliação por parte do psicólogo.
Considera que a vacinação para crianças deve ser a próxima prioridade das autoridades? Considera que é fundamental?
Não sendo a minha área, não me posso pronunciar sobre essa questão. Agora, do ponto de vista psicológico não vejo nenhuma limitação nesse sentido. As crianças estão habituadas a serem vacinadas desde bebés e não se conhecem influências negativas no bem-estar psicológico. A vacinação a existir para estas faixas etárias, será com certeza uma mais-valia do ponto de vista clínico.
Este ano letivo foi mais longo que o habitual, devido às circunstâncias da pandemia. Poderá existir uma exaustão com consequências futuras para as crianças?
Tudo dependerá da maneira como as crianças reajam a este impacto. Ninguém esperava que após o primeiro confinamento que se voltasse a fechar. O certo é que aconteceu. E se da primeira vez o impacto nas crianças possa ter trazido alguma exaustão, o segundo pode ter promovido ainda um maior desgaste, muito pela continuidade que o caracterizou.
No entanto as crianças e os adolescentes têm mostrado bastante resiliência, o que nos permite dizer que é possível que essa exaustão possa ser mitigada à medida que a normalidade é retomada. No entanto é preciso estar atento, uma vez que a resiliência não é igual em todos.
Como pode, ou deve, o verão ser aproveitado, para recuperar destes últimos meses, já a pensar no próximo ano letivo?
Acho que voltar ao analógico é o termo mais adequado a usar. Não só as crianças como também os adultos, passaram nestes tempos por uma sobrecarga de meios digitais. No final do primeiro confinamento insisti imenso com os meus pacientes para que (dentro das normas de segurança e prevenindo o risco de serem infetados) saíssem o mais possível de casa, fizessem atividades ao ar livre, desporto, passeios e que recolhessem a maior quantidade de estímulos possível, fora do meio digital.
É preciso voltar ao analógico, ao fora do ecrã, para nos prepararmos novamente para o ano letivo. Mesmo dentro de casa (se eventualmente houver um novo confinamento) essa diferenciação é possível. Tocar um instrumento musical, ler um livro, fazer trabalhos manuais, cozinhar. Existe uma panóplia de atividades que podemos fazer e que nos ajudam a desligar um pouco das tecnologias.
No caso dos jovens adolescentes, deve-se “controlar” a euforia de poder voltar a sair e estar com os amigos em férias?
Penso que todas as euforias nesta fase devem ser evitadas. Até porque a pandemia ainda existe e de um momento para o outro podemos voltar a ter uma nova vaga extremamente agressiva. Acho que, a haver possibilidade em termos de saúde pública dos jovens saírem, deverá ser algo gradual e adequado às medidas sanitárias em vigor. Torna-se importante explicar aos adolescentes que a pandemia ainda não acabou e como tal os encontros com os colegas e amigos devem ser feitos com o máximo cuidado possível.