A macrocefalia é uma das anomalias do cérebro e corresponde a uma alteração na qual a circunferência da cabeça é maior que a média correspondente à idade e o sexo do bebé. As anomalias do cérebro dividem-se quanto à dimensão (microcefalia, macrocefalia) e quanto à forma (dolicocefalia, braquicefalia, craniosinostose). O diagnóstico de macrocefalia pressupõe a correta datação da idade gestacional.
Ainda que a macrocefalia se possa relacionar com um atraso no desenvolvimento neural (atraso mental) cerca de 50% dos casos têm um desenvolvimento dito “normal”. Estima-se que 2% da população terá macrocefalia, não afetando particularmente crianças de qualquer género ou raça.
Macrocefalia
A macrocefalia refere-se ao crescimento anormal do perímetro cefálico, com valores superiores a dois desvios-padrão acima do percentil 95 para o sexo, raça, idade e idade gestacional. Na maior parte dos casos, a macrocefalia associa-se a síndromes genéticas (por exemplo defeitos abertos do tubo neural).
As alterações da dimensão do cérebro são consideradas como um sintoma e não como uma anomalia em si já que têm por base situações patológicas que perturbam o normal desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC).
A medição do perímetro cefálico faz parte da avaliação de rotina de todas as crianças, sendo, de facto, um aspeto essencial da avaliação do seu crescimento e desenvolvimento.
Tipos de macrocefalia
1. Macrocefalias secundárias a patologia do parênquima cerebral e líquido céfalo-raquidiano (LCR)
a) Macrocefalias primárias
Aumento do tamanho e peso cerebral (maior número e maior tamanho das células nervosas). Inclui a macroencefalia familiar (constitucional) e a hemimegalencefalia, ambas de provável etiologia genética.
Incluem-se também neste grupo as macrocefalias associadas a síndromes genéticos, nomeadamente acondroplasia, neurofibromatose, esclerose tuberosa, cromossomopatias, síndrome de X frágil, síndrome de Sotos, síndrome de BeckwithWiedemann.
- Constitucional
- Hemimegalencefalia
- Síndrome genético
b) Macrocefalias secundárias (progressivas ou evolutivas)
Condicionada pela presença de lesões ocupantes de espaço, tal como massas, coleções ou malformações vasculares. Inclui também a hidrocefalia (alterações da drenagem, reabsorção ou hiperprodução de LCR) e a hidrocefalia externa benigna, em lactentes com dilatação dos espaços subaracnoideus e sinais de hidrocefalia comunicante, mas sem repercussão clínica. Por último, neste grupo incluem-se igualmente as situações de depósito de substâncias anómalas.
- Lesões ocupantes de espaço
- Hidrocefalia e macrocefalia por hidrocefalia externa benigna
- Depósito de substâncias
2. Macrocefalias secundárias a patologia óssea
Condicionadas por situações de encerramento precoce das suturas ou situações de patologia óssea sistémica (osteopetrose, raquitismo, hipofosfatémia, osteogénese imperfeita,…).
- Craniana: encerramento precoce não harmonioso das suturas
- Sistémica: doenças ósseas com macrocefalia
Causas comuns de macrocefalia de acordo com faixa etária
0-6 meses
1. Hidrocefalia — malformações congénitas; lesões ocupantes de espaço; infeção in utero (toxoplasmose, citomegalovírus, sífilis, rubéola); infeção peri/pósnatal; hemorragia peri/pósnatal (prematuridade, hipóxia, malformação vascular, traumatismo).
2. Derrame subdural (derrame hemorrágico, infeccioso, higroma quístico).
3. Variante do normal (familiar).
6 meses – 2 anos
1. Hidrocefalia (progressiva) — lesões ocupantes de espaço; pós-meningite bacteriana ou granulomatosa pós-hemorragia.
2. Síndrome Dandy-Walker
3. Derrame subdural
4. Aumento da pressão intracraniana — pseudotumor cerebri.
5. Displasia óssea — osteogénese imperfeita; hiperfosfatémia; osteopetrose; raquitismo.
6. Megalencefalia — doenças metabólicas; síndromes neurocutâneos; gigantismo cerebral (Síndrome de Sotos); acondroplasia; megalencefalia primária.
Idade superior a 2 anos
1. Hidrocefalia (progressiva) — lesões ocupantes de espaço; distúrbio pré-existente; pós-hemorragia; malformação de Chiari tipo I; pós-infeciosa.
2. Megalencefalia — síndromes neurocutâneos; familiar.
3. Pseudotumor cerebri
4. Variante do normal (familiar).
Sinais e sintomas de macrocefalia
Os sinais e sintomas são variáveis, podendo algumas alterações orientar no sentido de determinada causa:
Macrocefalia constitucional
Macrocefalia por hidrocefalia externa benigna
- Mais frequente em rapazes;
- História familiar positiva;
- Macrocefalia pode não estar presente ao nascimento, o perímetro cefálico vai crescendo até > P95;
- Exame de imagem para diagnóstico;
- Distribuição predominantemente anterior do LCR (na atrofia cerebral, LCR distribuído anterior e posteriormente);
- DPM e exame neurológico normais.
Hemimegalencefalia
- Atraso mental;
- Convulsões;
- Hemiparesia.
Hidrocefalia
Lesões ocupando espaço
- Cefaleias, vómitos, irritabilidade;
- Atraso DPM;
- Alteração da morfologia da calote craniana;
- Alterações / défices neurológicos.
Doenças de depósito de substâncias anómalas
Síndromes genéticos
- Deterioração neurológica, atraso mental, convulsões;
- Hepatoesplenomegalia, fenótipo peculiar;
- Alterações psicológicas.
Craniossinostose
- Deformidade craniana;
- Hipertensão intracraniana;
- Alterações visuais.
Doenças ósseas sistémicas
- Sintomatologia geral, vómitos, má progressão ponderal;
- Anemia, alterações bioquímicas;
- Deformidades esqueléticas.
Diagnóstico
Exame físico
- Somatometria completa (peso, comprimento, perímetro cefálico);
- Medição do PC dos pais;
- Dismorfias faciais, malformações esqueléticas, discromias cutâneas, patologia cardíaca, organomegalias;
- Exploração do crânio: forma, assimetrias, tamanho e tensão das fontanelas;
- Exame neurológico completo (com fundoscopia).
Meios complementares de diagnóstico
Na maioria dos casos, a anamnese e o exame físico permitem um diagnóstico adequado, sem necessidade de recorrer a meios complementares de diagnóstico. Nas situações de macrocefalia de etiologia desconhecida, os exames devem ser realizados de forma escalonada e racional.
- Ecografia transfontanelar (se fontanela aberta);
- Avaliação por oftalmologia, com fundoscopia;
- Exame de imagem cerebral (TC ou preferencialmente RM);
- Radiografia de crânio e esqueleto;
- Hemograma, bioquímica geral, determinação de aminoácidos e ácidos orgânicos no sangue, urina e LCR;
- EEG, Potenciais evocados auditivos, Velocidade de condução nervosa;
- Cariótipo; Investigação Sind. X Frágil; Estudos moleculares específicos (se suspeita forte);
- Doseamento de mucopolissacáridos e oligossacáridos na urina;
- Medulograma;
- Doseamentos enzimáticos específicos;
- Eventualmente: consulta de genética; ecocardiograma; ecografia abdominal.
Tratamento da macrocefalia
Nas situações de macrocefalia constitucional e hidrocefalia externa benigna, é importante tranquilizar a família em relação à benignidade da situação e evolução favorável.
As situações de hidrocefalia ou leão ocupante de espaço podem requerer tratamento cirúrgico.
Nas restantes situações poderá estar indicado um tratamento específico, nomeadamente restrições dietéticas nas doenças metabólicas, transplante de medula óssea nas doenças de depósito ou degenerativas.
São ainda importantes medidas sintomáticas: antiepiléticos nas situações que cursem com convulsões, reabilitação, educação especial, intervenção precoce, medidas ortopédicas, apoio social e, eventualmente, conselho genético em determinadas situações.
Seguimento e orientação
A referenciação para consulta especializada depende das caraterísticas clínicas e dos resultados da avaliação inicial. Assim, no global:
1. Crianças com caraterísticas sindrómicas, suspeita de doença metabólica, atraso do desenvolvimento, convulsões ou anomalias na RMN-CE devem ser referenciadas a consulta de neuropeditaria.
2. Crianças com hidrocefalia ou lesões ocupando espaço devem ser referenciadas a consulta de neurocirurgia.
Bibliografia: Macrocefalia – Protocolo de atuação – Centro Hospitalar do Porto – Inês Sobreira, Bárbara Pereira, Filipa Neiva, Sónia Figueiroa 2012