Principais sinais de alerta de cancro na infância
Nesta entrevista ao Porto Canal, o Dr. Vitor Costa, oncologista pediátrico do IPO-Porto, fala do problema oncológico na criança e no forte impacto que esta doença tem em todas as dimensões da vida familiar.
Uma importante mensagem transmitida nesta entrevista é a necessidade de estarmos bem informados sobre os sintomas e sinais da doença oncológica na criança. Estar atento à criança e vigilante é crucial para o diagnóstico precoce e para a intervenção clínica logo na fase inicial da doença.
Mas também nos deixa uma enorme e importante mensagem de esperança.
A grande capacidade da criança em ultrapassar eventos traumáticos, a elevada taxa de sucesso dos tratamentos, a qualidade dos tratamentos e humanização dos cuidados prestados e a constante evolução científica permitem, apesar do profundo drama e dor associados a esta doença, combate-la com mais confiança e manter sempre a esperança.
Neste artigo, deixamos apenas as ideias centrais desta entrevista que sugerimos assista na íntegra em vídeo.
Publicação de Ipo-Porto.
A importância de um diagnóstico precoce e de estar atento aos sinais do cancro
É importante estar atento aos sintomas da doença porque os sinais e sintomas do cancro pediátrico são muitas vezes comuns a patologias benignas e frequentes na infância. Portanto, é difícil os pais valorizarem certos sintomas como febre ou falta de apetite.
Como os sintomas de cancro infantil são muito pouco específicos, leva muitas vezes a que os pais procurem o pediatra tardiamente, normalmente quando os sinais e sintomas se repetem.
Quando os pais notam que o seu filho se tornou numa criança que “não está bem“. Quando a criança deixa de brincar, começa com uma dor muito localizada, começa a aparecer um tumor, uma massa.
Muitas vezes, detetar estes sinais é um achado. Há casos, por exemplo, em que é a mãe que ao dar banho à criança nota o abdómen aumentado (e isso é um sinal de tumor) e, no dia seguinte, procura o médico.
O atraso no diagnóstico tem muito a ver com o tipo da doença. Há tumores com um crescimento muito rápido. Em 2/3 dias dão sintomas e os pais procuram os cuidados médicos e o diagnóstico é feito. Exemplos destes casos são determinados linfomas ou leucemias (o tipo de cancro infantil mais comum).
No caso da leucemia, o diagnóstico é feito, na maior parte das vezes, no serviço de urgência quando a criança apresenta certos sintomas como sangramento, manchas pretas ou cansaço fácil.
Quando os pais se apercebem que a criança apresenta estes sintomas durante alguns dias, recorrem aos serviços de saúde e, nestes casos, a doença pode ser diagnosticada ainda numa fase precoce.
O diagnóstico atempado também depende do sistema de saúde e, felizmente, Portugal tem um bom sistema de saúde que permite um fácil acesso aos cuidados de saúde não só primários como também aos serviços de urgência.
Há muitos países europeus onde esse acesso está muito dificultado. Os pais notam o sintoma em casa e, primeiro, vão ao centro de saúde, há um rastreio feito por uma enfermeira, a enfermeira passa ao clínico geral e este é que pode ou não passar ao pediatra. Só a partir desse momento, é que o pediatra fará o seguimento que considerar mais adequado para a criança.
Em todo este processo, perde-se muito tempo e, em Portugal, para já, este problema não se coloca uma vez que o sistema de saúde permite um fácil acesso ao pediatra.
Oito em cada dez crianças podem ser curadas se, aos primeiros sinais da doença oncológica, forem encaminhados para os serviços médicos.
Há vários estudos que demonstram que quando a criança é vista por um pediatra é muito mais difícil a doença passar sem ser diagnosticada do que quando é analisada por um clínico geral.
O diagnóstico precoce do cancro pode determinar a forma como a doença progride porque, e ao contrário do adulto, não há forma de prevenir o cancro na criança.
Como é feito o diagnóstico do cancro na criança?
O diagnóstico da doença pode ser feito por vários meios:
- Exames ao sangue (como no caso da leucemia).
- Biopsias (para casos de tumores).
- Exames de imagem (tomografias, ressonâncias).
Que apoio deve ser dado a estas famílias e à criança com cancro?
O diagnóstico de uma doença cancerígena numa criança tem um impacto brutal na própria criança, na família e mesmo na sociedade em geral porque toda a família e os conhecidos ficam envolvidos na doença.
Todos com muitas dúvidas e incertezas. Logo à partida, é fundamental o apoio da família nuclear e da família mais alargada. Ao nível do IPO existe o apoio permanente de uma equipa de psicologia e a assistência social para apoio na área financeira das famílias.
Os pais devem ser totalmente informados e esclarecidos sobre o diagnóstico, devem saber toda a verdade. Apesar de ser uma situação dramática, a taxa de cura é animadora e tem evoluído de forma positiva nas últimas décadas, o que dá esperança na cura desta doença.
Nos anos 60 a taxa de cura era de 10% e, neste momento, situa-se quase nos 90%. Existem mesmo alguns tipos de leucemias e linfomas cuja taxa de cura ultrapassa já os 90%.
Este aumento deve-se não só ao desenvolvimento da medicina mas, também, ao diagnóstico precoce. As famílias e os profissionais de saúde estão mais atentos, há mais informação, as pessoas preocupam-se mais com a saúde das crianças e estes fatores permitem um diagnóstico mais atempado.
Quais são os cancros mais frequentes nas crianças?
O cancro mais frequente nas crianças é a leucemia que tem um prognóstico de cura muito bom quando detetada a tempo.
Os tumores do sistema nervoso central, aparecem em segundo lugar e depois há uma diversidade de tumores que podem aparecer na criança como os linfomas, neuroblastomas, tumores dos tecidos moles, tumores ósseos (estes últimos mais frequentes na adolescência).
Quais as causas da doença oncológica na criança?
Não existe uma causa conhecida para o desenvolvimento desta doença nas crianças. Há trabalhos que apontam apenas para possíveis causas.
Sabe-se que há mutações genéticas que já nascem com a criança e eventos que surgem provavelmente durante a gravidez, mas não se sabe porquê. Podem ser químicos existentes em determinados fármacos que a mãe possa ter ingerido na gravidez e que podem dar origem a mutações genéticas que mais tarde, durante a infância, vão progredir para um tumor.
Existem, também, outros eventos que podem dar origem a uma doença deste tipo. Essas alterações genéticas irão ser potenciadas após o nascimento por determinadas causas, como as infeções víricas.
Dos estudos atuais, o que se sabe é que há algo que está predisposto na criança para a doença e que um evento a pode despoletar.
Existe relação entre a hereditariedade e o cancro infantil?
Existe relação entre a história clínica da família e o risco de a criança ter uma doença cancerígena. Quando numa família existe uma grande probabilidade de cancro, há um risco acrescido de a criança vir a sofrer também desta doença.
Quando é do conhecimento clínico que o pai ou a mãe, o tio ou a tia, o avô ou a avó tiveram um determinado tipo de tumor, essa família é estudada no IPO porque são situações genéticas da própria família e não uma mutação nova.
Qual o impacto do tratamento na vida da criança?
Por norma, o impacto do tratamento do cancro infantil (quimioterapia, radioterapia e cirurgia) é maior na criança mais velha e no adolescente do que numa criança pequenina.
A idade, a consciência da gravidade do problema, a perda de cabelo e outros efeitos secundários associados aos tratamentos, provocam problemas de autoimagem e de aceitação no grupo que podem aumentar a depressão e angústia do jovem doente.
O impacto de uma doença cancerígena num adolescente é brutal para o seu desenvolvimento e para o seu estilo de vida porque acontece numa fase marcada pela necessidade de ter uma vida social cada vez mais ativa, de fazer amigos, sociabilizar e estar inserido num grupo.
Esta componente da vida é amputada drasticamente e de forma irrecuperável. O sentimento de perda e de isolamento é profundo e isso pode deixar marcas emocionais para toda a vida.
Durante o tratamento, a criança consegue ter uma vida normal dependendo, também, do tipo de tumor. No caso de uma leucemia, nos primeiros 6 meses os tratamentos são feitos, em grande percentagem, com internamento e nos últimos 18 meses, quando o tratamento é feito à base de comprimidos, a criança pode fazer uma vida normal.
Pode ir para o infantário, pode ir para a escola e manter uma atividade normal com algumas restrições (o período de tratamento de uma leucemia mais frequente é de 2 anos).
Cada vez mais, os tratamentos são feitos em hospital de dia, sem recorrer ao internamento. A criança faz os tratamentos durante o dia e vai para casa.
A alimentação da criança com cancro e o papel da alimentação na recuperação
Os tratamentos oncológicos têm efeitos secundários que também afetam os hábitos alimentares da criança.
A criança que faz quimioterapia tem dificuldades alimentares porque fica com feridas na boca, o paladar altera-se (é muito frequente uma criança que não gostava de alimentos salgados começar a apreciá-los depois de iniciar a quimioterapia ou tenha aversão aos doces ou vice-versa), os alimentos ficam com um sabor metálico.
A componente alimentar é muito importante na recuperação mas deve ter-se em conta que os hábitos da criança também são profundamente alterados por via dos efeito dos tratamentos.
Outros cuidados no tratamento do cancro da criança
Durante os tratamentos, nomeadamente com a quimioterapia, são atingidas não só as células malignas mas também as células saudáveis. Neste processo, as células que estão implicadas nas nossas defesas são muito afetadas e, portanto, a criança que faz quimioterapia é imunodeprimida.
Isto implica a necessidade de se proteger e, muitas vezes, a criança precisa de ser isolada durante o período de tratamento para evitar o contacto com pessoas doentes, por exemplo.
Este é também o motivo pelo qual as visitas à criança devem ser restringidas uma vez que uma simples constipação ou outra infeção banal pode causar complicações e agravar o estado geral de saúde da criança.
O que são os cuidados paliativos?
Os cuidados paliativos são cuidados de suporte que ajudam a criança a suportar melhor estas situações. Os cuidados paliativos são prestados quando a doença não tem cura sendo o seu objetivo dar conforto à criança.
Neste tipo de cuidados, não há uma intenção de cura da doença mas de melhorar a qualidade de vida da criança.
Todos os anos há entre 350 a 400 novos casos de cancro infantil. Há alguma incidência de idade que seja mais comum?
Tudo depende do tipo de tumor. As leucemias agudas têm maior incidência até aos 10 anos de idade. Os tumores ósseos aparecem mais na adolescência. Os neuroblastomas aparecem no primeiro ano de vida.