Os adultos tendem a banalizar e não dar a devida importância à brincadeira ao dizer que as crianças “estão apenas a brincar” ou quando fazem recurso da brincadeira como recompensa depois de um dia de estudo.
Atualmente, devido à situação pandémica que se vive um pouco por todo o mundo, a maioria dos pais estão em casa com os seus filhos. Tal requer um árduo trabalho de conciliação, mas compensa o facto de existir, finalmente, mais tempo para brincar. E não nos esqueçamos que brincar é essencial para que as crianças desenvolvam as suas capacidades motoras (coordenação motora grossa e fina), cognitivas (raciocínio, pensamento, que se relacionam com a linguagem verbal) e afetivas (compreender e dar espaço para que se manifeste determinado sentimento e compeender a forma como ele irá influenciar as suas ações).
Além disso, também permite que se reconstruam ligações ou se fortaleçam os vínculos afetivos. E tudo isto graças ao tempo que agora pode ser dedicado para brincar. Brincar, o que é isso? Não passa de um conceito bastante simples, mas que regozija a alma de tanto prazer que dá. Sendo algo natural e voluntário, existe espaço para que se desenvolvam novas visões e se aprendam diferentes perspetivas.
Cada um de nós, enquanto seres individuais que somos, temos presente algumas memórias de brincadeiras com os nossos amigos, irmãos, primos e filhos. Se fizermos o exercício de olhar para trás, podemos compreender que éramos nós os atores principais da nossa peça, e não os adultos.
No entanto, nos últimos anos, com o boom tecnológico, o simples ato de “brincar” foi substituído por atividades extracurriculares, como futebol, natação, etc. Não que isso não seja importante, porque o é, visto estimular de formas diferentes as competências que começam a florescer dentro deles. Mas a vida não pode ser só escola, atividades extracurriculares e dispositivos tecnológicos. Há necessidade de brincar, de explorar com a mão, com a boca, experimentar, testar, compreender o que se gosta e o que não se gosta…
Ver: Jogar e brincar: estratégias para o saudável desenvolvimento das crianças
Felizmente, o isolamento social em que muitos se encontram agora trouxe algo extremamente positivo: tempo para a família e necessidade de reorganizar prioridades. Assim, veio proporcionar uma reinvenção da forma de brincar em muitas famílias. Agora, existe novamente tempo para brincar e explorar o desconhecido.
Claro que tem de haver tempo dedicado aos trabalhos de casa, para os pais cumprires as suas tarefas profissionais e para eles verem televisão e jogarem um pouco. Não estamos a tentar passar a mensagem que se deve evitar tudo isso. Deve sim, dosear-se o tempo para cada uma dessas tarefas. Encontrar um equilíbrio.
É essencial que se compreenda que as brincadeiras e o conhecimento proveniente dessas brincadeiras são fundamentais para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças.
Assim sendo, a Christine McLean, autora do blogue Today’s Parent, explica os pilares que fundamentam a palavra play (brincar, traduzido para português):
- P (primeira letra da palavra play): Problem-based learning, ou seja, aprendizagem baseada em problemas
Cada vez que as criançam estão a brincar, elas procuram de alguma forma solucionar um problema, seja ele a montagem de um puzzle, o encaixe de uma peça no respetivo buraco, etc.
- L (segunda letra da palavra play): Language-rich, ou, traduzido, enriquecimento da linguagem
Ouça o tipo de linguagem utilizado quando as crianças brincam com os seus pares. Quando brincam em casa, tendem a alterar a forma como se expressam e o seu vocabulário, fazendo uso de uma linguagem mais rica e que normalmente não é recorrente numa outra situação de brincadeira.
Durante a brincadeira, as crianças são motivadas a ler e escrever – escrevem notas, menus, bilhetes para peças de teatro, sinais que dão indicações às outras pessoas, como por exemplo “não toque(s) nisso”. É, portanto, a partir daí que eles assimilam um determinado significado para certa função, o que os ajuda a construir uma base sólida para a aprendizagem da linguagem.
- A (terceira letra da palavra play): Active environment, traduzido quer dizer Ambiente ativo
Uma aprendizagem ativa quer dizer brincadeiras de pôr mãos e todos os sentidos (visão, olfato, paladar, tato e audição) na massa, literalmente. Estes tipos de jogos são normalmente bastante práticos e permitem ajudá-los na sua autonomia e servem para incrementar a confiança em si mesmos – são as crianças que escolhem os instrumentos para brincar, como escolhar qual a pá vão usar para encontrar o tesouro na terra, que decidem qual é o jogo e quem são os participante. São eles que mandam. O papel do adulto é o de fornecer os materiais e oportunidades para que estas brincadeiras possam acontecer nos moldes da crianças.
- Y (última letra da palavra play): Young children, que em português significa crianças pequenas
As crianças são pequenos seres humanos com direitos, inclusivé o direito a brincar. Na Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas está bem expresso que as crianças têm o direito a brincar.
E há momentos na vida em que tanto os direitos como os deveres têm um papel preponderante. Esta é uma dessas alturas. Neste momento de incerteza, confusão, alguns receios e muitas emoções, pelo bem de todos – e principalmente das crianças -, deixem as crianças brincar!