Parecia uma excelente ideia deixar o seu filho usar o IPad durante a manhã, contava Heinl, uma mãe canadiense. Para o recompensar de se ter arranjado tão depressa – e para encorajar esse comportamento – ela deixava-o jogar um jogo ou ver um programa durante alguns minutos antes de o deixar na escola.
“Tornou-se muito difícil sair de casa porque ele ficava irritado quando tinha de desligar o tablet” contava a mãe. “A obediência foi por água abaixo completamente.”
Tentou avisos de contagem decrescente para que ele deixasse o écran, mas, não obstante os seus esforços, “Ele continuava muito focado no IPad”, conta a mãe. Como não estava disposta a disputar a atenção com um écran, Heinl acabou de vez com o IPad, cerca de um mês depois de tudo ter começado.
A Heinl não foi a primeira pessoa a relacionar o tempo passado em frente ao écran com comportamento problemático nas crianças. Um estudo da Universidade de Alberta, publicado em Abril, fez a seguinte descoberta: crianças de 5 anos que passavam mais de 2 horas em frente a um écran tinham 5 vezes mais probabilidade de apresentar sintomas de Perturbação de hiperatividade com défice de atenção (PHDA) do que crianças que passavam 30 minutos ou menos. O professor Associado de Pediatria na Universidade de Alberta- Piushkumar Mandhane – que orientou o estudo clarifica: “Não é o tempo de exposição ao écran que causa PHDA”. Em vez disso, os pais de crianças que passavam muito tempo em frente ao écran, tinham mais probabilidade de os rotular como hiperativos e desatentos, comportamentos normalmente associados a PHDA.
Sheri Madigan, Professora Assistente de Psicologia na Universidade de Calgary e no Centro de Investigação Canadiano em “Fatores de Desenvolvimento da Criança” também estudou o tempo de exposição ao écran. Embora o trabalho dela seja mais focado na forma como essa exposição afeta o desenvolvimento da criança e não o comportamento da mesma, a sua equipa recolheu inúmeros testemunhos de pais sobre o quão difícil é retirar um monitor a uma criança sem uma luta.
Em grupos de Facebook e outros grupos de discussão, os pais reportam birras, choradeiras e más atitudes relacionadas com o tempo que os filhos passam em frente a um monitor. Este problema pode mesmo despoletar comportamento agressivo. A Heinl teve de por de parte o sistema de videojogos que tinha comprado para o filho partilhar com o irmão depois de muitos confrontos físicos daí resultantes.
Os monitores podem ser boas ferramentas de aprendizagem, desde o desenvolvimento da empatia e da literacia à resolução de problemas – e não se pode negar que tornaram as viagens de longa distância muito mais suportáveis. No entanto, a sua presença crescente implicou uma série de desafios à parentalidade. O que existe nos écrans que é tão prejudicial às crianças?
A relação entre o tempo de exposição ao écran e o comportamento
A exposição a écrans pode provocar a libertação de dopamina, um neurotransmissor associado ao bem-estar e ao prazer, que nos leva a relacionar écrans com prazer. Assim sendo, o nosso desejo em passar ainda mais tempo em frente ao mesmo é estimulado. Para além disso, muitos dos conteúdos são produzidos para prender a nossa atenção. Jogos de vídeo com configurações gráficas impressionantes, conteúdos que recompensam pela permanência em jogo, apelam muito mais à descarga de dopamina.” Quando o jogo acaba, acaba também a libertação de dopamina e, em algumas pessoas, isso provoca irritabilidade”, explica Tom Warshawski, Pediatra e membro da Fundação para a luta contra a Obesidade na Infância.
O tempo passado em frente a um écran é também tempo que poderia ser usado de outra forma. Por exemplo, em atividades que minimizassem problemas de comportamento. A investigação de P. Mandhane encontrou uma correlação entre o sono e o tempo de exposição ao écran: crianças que viam mais do que 2 horas de televisão por dia tinham menos 60% de probabilidade de dormir as 10 horas recomendadas do que as que passavam 30 minutos ou menos. Não é segredo nenhum que a falta de sono pode causar cansaço e irritação nas crianças que por sua vez se pode traduzir em comportamentos inapropriados.
O exercício físico também fica muito comprometido com as atividades tecnológicas. Se isso pode conduzir a problemas óbvios de saúde, também pode ter impacto no comportamento, segundo defende Warshawski. “Fazer exercício ao ar livre é uma ótima forma de preservar a saúde mental, diminuir a ansiedade e elevar o humor,” diz o autor e pediatra.
Quando os écrans subsituem atividades e interações isso também potencia as “oportunidades perdidas”. Por exemplo, muito tempo passado no tablet, uma atividade geralmente solitária pode ter como consequência que a criança perca oportunidades de interação afetiva que modela e regula as emoções. Sem essas competências sociais a criança pode zangar-se mais facilmente, frustrar-se e isolar-se.
Regulamentar o tempo de exposição a muitos écrans
Cada vez mais os pais têm de se preocupar com os écrans fora de casa. É possível encontra-los em todo o lado, desde consultórios médicos a museus. E é cada vez mais fácil entregar o telefone a uma criança rabugenta para poder acabar a refeição ou as compras.
Tudo isto adiciona ao tempo de exposição que os pais deveriam monitorizar, acrescentando outra tarefa à sua vida já de si muito ocupada. Isto significa que poderá dar por si a arrastar o seu filho para longe de um écran várias vezes ao dia, preparando o cenário ideal para uma explosão.
Devido ao facto de os seus cérebros se encontrarem em desenvolvimento, fazer a transição de uma atividade para outra pode ser difícil para muitas crianças. Isto é especialmente verdade em crianças de 1 a 3 anos e em idade pré-escolar, cujo sentido de si e desejo de autonomia se encontra em franca expansão. Quando uma atividade é tão excitante e divertida como o que se passa no écran, essa transição pode ser especialmente difícil, explica Madigan. Principalmente se essa transição é abrupta aos olhos da criança. “Se de repente desligarmos a TV, o mais provável é ouvirmos um protesto”, diz.
Do mesmo modo, “As competências cognitivas mais desenvolvidas, as que nos dizem, ‘Já vi o suficiente, vou desligar’, ainda não estão presentes nas crianças desta faixa etária”, refere Warshawski. O autor explica que estas competências importantes de autorregulação começam a desenvolver-se entre os 8 e os 13 anos, embora alguns adolescentes ainda apresentem dificuldades nessa área.
O que podem os pais fazer?
É difícil saber o que fazer ao certo quando os próprios peritos não se entendem em relação ao tempo apropriado de exposição ao écran. No início deste ano, o Colégio Real Britânico de Pediatria e Saúde Infantil, emitiu umas diretrizes pela primeira vez. O problema é que deixou os limites ao critério das famílias, com a explicação de que “não existem evidências suficientes para indicar um limite apropriado aos pais e crianças para o tempo de exposição”. Para chegar a esta conclusão o Colégio analisou resumos de 940 estudos que se focaram no impacto do tempo de exposição na saúde física e mental das crianças.
Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde que reviu dezenas de estudos sobre exposição aos écrans anunciou a sua própria diretriz: zero horas para crianças com menos de 1 ano e uma hora ou menos para crianças dos 2 aos 4. Esta recomendação é semelhante à da Sociedade de Pediatria Canadiana: máximo de uma hora para crianças dos dois aos 5 anos e zero horas para crianças com menos de 2 anos. Esta norma é recomendada por todos os peritos com quem falámos.
Warshawski observou recentemente um rapaz de 5 anos cujas birras e acessos de raiva pareciam estar relacionadas com o consumo excessivo de videojogos e You Tube. Os pais acabaram por cortar com a internet em casa, “Deixou de haver écrans para todos”, diz ele. O que aconteceu foi “uma melhoria em quase 180 graus no comportamento da criança, porque a energia, os pensamentos e os padrões da criança passaram a estar orientados para a socialização”.
Para algumas famílias esta pode ser uma experiência um tanto ou quanto radical. No entanto, uma maior consciencialização sobre a forma como interagimos com a tecnologia pode reduzir significativamente os comportamentos indesejáveis.
Madigan recomenda que todas as famílias desenvolvam um plano que estabeleça limites na utilização de écrans, que inclua quando e onde podem ser visionados. Algumas regras básicas deveriam ser não permitir a televisão durante as refeições, uma hora antes de deitar, ou ainda como barulho de fundo.
Outra medida importante é, antes de ligar os écrans, combinar o tempo durante o qual permanecerão ligados e que conteúdos poderão ser visionados. Caso seja necessário recorrer a um temporizador para definir o tempo necessário para a finalização. Por exemplo, se a criança está a jogar um jogo definir um tempo para o concluir e incluir esse tempo na contagem final.
Uma vez definidos os limites é preciso respeitá-los. “A consistência ajuda as crianças a perceber o que é esperado”, diz Madigan que explica que, quando os écrans são desligados todos os dias à mesma hora “a criança não se surpreende e as birras serão menos frequentes”.
Pode acontecer, por vezes, ficarmos arrepiados com o comportamento dos nossos filhos porque estão a imitar atitudes e dizer coisas a que foram expostos no écran. Uma forma de mitigar este problema é assistir aos programas juntos, diz Warshawski. “Quando observamos algo inverosímil ou anti-social, despoletar a discussão sobre esse assunto” continua Warshawski. O pediatra encoraja os pais a manter um controlo apertado sobre o que é visto para minimizar a probabilidade de a criança visualizar programas que não estejam de acordo com os valores familiares.
Quando a Heinl retirou o IPad ao filho, a primeira semana foi difícil, repleta de birras e gritaria pela devolução do mesmo. Mas, independentemente da atitude do filho a Heinl permaneceu calma e persistente, “sabia que no final ia compensar”. Neste momento o IPad permanece guardado e um ambiente de colaboração está a regressar às manhãs da Heinl. Isto também se tornou possível porque a Heinl ajustou os seus horários o que lhe permite dar mais atenção ao filho durante o pequeno almoço. Embora o filho continue a solicitar o IPad, de tempos a tempos, a Heinl mantem-se firme: A sua utilização esta limitada a 4 horas por semana e nunca antes da escola.
Traduzido e adaptado de Todays Parent