Mais estímulos e mais informação correspondem a um melhor desenvolvimento cognitivo? “Um ambiente enriquecido aumenta a capacidade do cérebro para aprender”. Para a OCDE este é mais um neuromito educativo, tanto na escola como em casa, e que ajuda a propagar o vício precoce nas tecnologias digitais.
Quanto mais estímulos, melhor. Verdade ou neuromito?
Em 2002, face à rápida massificação de aplicações com pretensão a carácter educativo e dispositivos ditos “inteligentes” que alegam ter a capacidade de potenciar a inteligência das crianças, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) chamou a atenção para os neuromitos.
Segundo esta Organização intergovernamental, os neuromitos são “más interpretações geradas por um mau entendimento, uma leitura equivocada e, em alguns casos, uma deformação deliberada dos factos científicos com o objetivo de usar a investigação neurocientífica na educação e noutros contextos”.
Em resultado disso, e segundo a investigadora na área da educação Catherine L’Ecuyer no seu livro “Educar na Realidade”, vão-se criando falsas premissas sobre as quais se constroem métodos educativos sem base científica e que suportam a proliferação comercial de aplicações, programas e dispositivos que prometem ajudar a estimular o cérebro das crianças precocemente.
A criança não precisa de smartphones, tablets, internet ou horas a fio em frente à televisão para estimular a sua “inteligência ilimitada”.
O problema do neuromito, coloca-se quando pais e educadores são induzidos a pensar que a quantidade de informação a que a criança é exposta desde tenra idade é mais importante para o seu desenvolvimento do que a atenção afetiva que recebe através da interação com outras pessoas.
“Hoje sabemos que durante os primeiros anos o mais importante para o bom desenvolvimento de uma criança não é a quantidade de informação que recebe, mas sim a atenção afetiva que recebe, através do modelo de vinculação que desenvolve com o seu cuidador principal.” Catherine L’Ecuyer, Educar na Realidade
Vinculação afetiva / excesso de estimulação sensorial
“Um ambiente enriquecido aumenta a capacidade do cérebro para aprender.” No seu livro, L’Ecuyer cita Daniel Siegel, psiquiatra, biólogo e professor da UCLA que contraria este neuromito afirmando não haver necessidade de bombardear bebés ou crianças pequenas com uma estimulação excessiva, na esperança de construir cérebros melhores.
E continua “Durante os primeiros anos de desenvolvimento, os padrões de interação entre a criança e o cuidador são mais importantes do que um excesso de estimulação sensorial. A investigação sobre a vinculação sugere que a interação interpessoal colaborativa, e não a estimulação sensorial excessiva, é a chave para um desenvolvimento saudável.”
Sobre este assunto, também a Academia Americana de Pediatria emitiu recomendações. Até aos dois anos, deve evitar-se o consumo de ecrãs já que os estudos indicam que estes produzem mais efeitos negativos do que positivos. Acima dos 2 anos, recomenda limitar o consumo a menos de duas horas por dia e o máximo cuidado com os conteúdos que as crianças vêem.
Para a ciência, as crianças precisam, sobretudo, de estabelecer relações saudáveis com os seus cuidadores. A estimulação excessiva proporcionada pelas tecnologias digitais não aumenta as oportunidades de aprendizagem nem substitui o papel da relação afetiva que se estabelece na interação diária entre a criança e os pais.
Sobre este tema, Catherine L’Ecuyer remata “Os neuromitos — (1) A criança tem uma inteligência ilimitada; (2) Só usa 10% do seu cérebro; (3) Cada hemisfério é responsável por um estilo de aprendizagem diferente; (4) Um ambiente enriquecido aumenta a capacidade do cérebro para aprender; (5) Os três primeiros anos são críticos para a aprendizagem, portanto, são decisivos para o desenvolvimento posterior — contribuíram para afastar muitos pais da sua sensibilidade e do seu senso comum no exercício da maternidade e da parentalidade.”
“Nós, os pais, não somos administradores de ludotecas. São as relações interpessoais que dão sentido às aprendizagens durante a infância e grande parte da adolescência, porque configuram o nosso sentido de identidade.”
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