Ajudar a criança a lidar com o medo após a morte
É bastante comum que os sentimentos de medo e de ansiedade da criança/adolescente aumentem após a morte de alguém muito próximo e querido (tal e qual como nos adultos). O medo é uma reação natural e espontânea do organismo quando exposto a uma sensação de perigo ou ameaça.
Perante um evento traumático como a morte de alguém, é normal que o corpo fique em alerta máximo. Reconhecer que o medo é uma reação de defesa absolutamente natural pode ajudar a criança a aprender a lidar com este sentimento tão devastador.
Saber como ajudar, pode ser um desafio. Ficam aqui algumas estratégias.
Ajudar a criança/adolescente a lidar com o medo após a morte
As questões e preocupações da criança/adolescente são absolutamente legitimas e normais: “Como iremos viver sem a pessoa que morreu?”, “Quem vai tomar conta de nós?”, “Mais alguém vai morrer?”, “Para onde vão as pessoas quando morrem?”, “Também vou morrer?”.
Após o contacto com a morte, algumas crianças/adolescentes desenvolvem medos sobre determinados locais e circunstâncias que relacionam com esse acontecimento. Podem torna-se nervosas, ansiosas e pouco confortáveis quando confrontadas com situações que relacionam com a morte como a ida ao hospital, o som da sirene de uma ambulância, uma doença ou a ida a uma consulta, por exemplo.
Perante estas reações, os pais/cuidadores devem ter paciência e compreensão, apoiar, fazer companhia, dar apoio, manter as rotinas, dedicar mais tempo às atividades em conjunto e evitar que a criança se sinta incompreendida, isolada e abandonada.
1. Ouvir e fazer perguntas
Esforce-se ao máximo para ouvir a criança/adolescente em vez de pensar no que vai responder.
É natural querermos confortar a criança e afastar os seus medos e inseguranças, mas pode ser muito mais útil para a criança começar por ouvir as suas reais preocupações e sentimentos e só depois começar a falar.
Se a intenção for reconfortar a criança, faça-o sem promessas que não pode cumprir. Por exemplo, a criança pode estar preocupada porque você ou alguém próximo também vai morrer. Em vez de dizer “Não te preocupes minha querida, eu não vou morrer.” é mais útil e realista dizer algo como: “Sei que estás preocupada sobre a possibilidade de outras pessoas também poderem morrer. Todos vamos morrer. Mas eu vou tomar muito bem conta de mim e ficar por cá durante muito tempo. Se alguma coisa me acontecer, vai haver sempre alguém para cuidar de ti.”
Perguntar à criança o que podem fazer em conjunto para a ajudar a ultrapassar o medo.
A criança/adolescente sabe muitas vezes o que deseja mas pode sentir que, de alguma forma, as suas ideias não são válidas ou úteis.
Crie oportunidades para perguntar: “O que precisas?” e valide as suas sugestões. Se a criança entra em pânico quando ouve a sirene de uma ambulância, constate isso mesmo afirmando: “Quando passa uma ambulância, parece que ficas assustada e tapas os ouvidos.” Depois, pergunte o que pode fazer: “Quando ficas assustada com a ambulância, o que pensas que te poderia ajudar a ultrapassar esse medo? O que posso fazer para que te sintas segura? O que podes tu fazer para te ajudares a sentir-te segura?”.
2. Conversar
Ajudar a criança/adolescente a reconhecer e a lidar com os seus medos.
Quando medo aparece, a criança pode sentir-se assoberbada e impotente face às sensações e sentimentos que esta emoção desencadeia. A reação natural do adulto poderá ser tentar afastar o medo para proteger a criança e evitar que sofra.
Por mais aterradores e paralisantes que os medos possam parecer, é mais eficaz reconhecer a sua existência do que simplesmente ignorá-los ou fazer de conta que não têm importância. Apesar de ao início poder parecer estranho, verbalizar e falar sobre os medos em voz alta é uma boa estratégia para enfrentar e aprender a lidar com o medo e os anseios.
O seu filho pode dizer :“Estou assustado e preocupado porque alguma coisa má pode acontecer se eu me for deitar.” ou “Andar de carro deixa-me ansioso por causa dos acidentes.” Ao incentivar a criança a exteriorizar os seus medos em voz alta, irá ajudá-la a reconhecer e a enfrentar as situações que mais a assustam e assim evitar que o medo aumente a cada dia e gere momentos de ansiedade crescente.
Compreender e identificar os fatores que geram sentimentos de medo, em que situações e por que motivos, permite definir estratégias que ajudam a criança a saber lidar com as situações que a deixam ansiosa e a impelem a fugir ao invés de enfrentar os seus medos e seguir em frente.
Quanto mais tardiamente for feita esta aprendizagem, mais difícil se torna enfrentar os medos que vão surgindo ao longo da vida.
3. Comunicar de forma franca e consistente
Alguns medos e preocupações são motivados por falta de informação, por ignorância. Para ajudar a criança/adolescente a gerir o medo e a angústia, disponibilize-se para responder a todas as suas questões sobre a morte ou sobre a pessoa que faleceu.
Responda às questões de forma franca, honestamente, numa linguagem ajustada à idade/maturidade da criança. Também ajuda se perguntar diretamente à criança o que é que ela pensa sobre o assunto e o que lhe disseram as outras pessoas com quem conversou. Por vezes, só o facto de a criança perceber um bocadinho melhor o que se está a passar à sua volta é meio caminho andado para dissipar medos e inseguranças.
4. Incentivar a criança/adolescente a investigar a origem dos seus medos
Convide a criança/adolescente para ser o detetive dos seus próprios medos.
Se o seu filho tiver medo porque pensa que alguma coisa se esconde debaixo da cama, pegue numa lanterna e espreitem juntos para debaixo da cama. Descubra o que a criança pensa que pode acontecer se os seus receios se concretizarem: “O que realmente te preocupa caso haja alguma coisa escondida debaixo da cama?”
Também é útil ajudar a criança a identificar as situações que desencadeiam o medo e as alterações que esse sentimento provoca no seu corpo: O que muda no seu corpo? (sente alguma coisa diferente na garganta, no estômago, nos ombros?). Para onde se dirige o medo a seguir? O que contribui para que o medo/ansiedade cresça e se torne cada vez mais forte, aflitivo e presente? O que faz com que se desvaneça?
Encoraje a criança a falar diretamente com os seus próprios medos: “Ouvi dizer que tens medo, mas não quero falar hoje contigo sobre isso, preciso de me deitar. Amanhã voltamos a falar.”
A hora de ir para cama pode tornar-se mais complicada após a morte. Muitas crianças/adolescentes sentem dificuldade em adormecer ou acordam durante a noite com pesadelos depois da ocorrência de um evento negativo ou triste.
Algumas crianças que estão habituadas a dormir sozinhas, podem pedir para dormir no quarto ou na cama dos pais para se sentirem seguras e acompanhadas. Mesmo aquelas que não tem este tipo de dificuldades e conseguem dormir na sua cama, podem precisar de algum conforto adicional como deixar uma luz acesa ou a porta do quarto aberta, requisitar a companhia de um adulto para adormecer ou agarrar-se a um boneco especial antes de adormecer.
5. Proporcionar um ambiente estruturante e seguro
Assegurar a continuidade das rotinas e dar atenção à criança.
Vivemos num mudo de incerteza e somos atropelados pela mudança a toda a hora. Algumas ocorrem inesperadamente, completamente fora do nosso controlo, e sem que nos seja dada qualquer hipótese de intervir para tentar mudar o curso dos acontecimentos. As crianças necessitam de um ambiente harmonioso, seguro e sem grandes alterações para se sentirem tranquilas e confortadas.
Estabelecer e implementar boas rotinas é uma forma de compartimentar e organizar o nosso dia em pequenas etapas previsíveis, que envolvem tarefas previsíveis com objetivos claros e específicos e que, por isso, nos ajudam a recuperar alguma noção de controlo sobre os acontecimentos que giram à nossa volta.
Perante uma situação tão devastadora como a morte, manter a rotina do dia-a-dia pode ajudar a enfrentar a perda e a dor com a noção de algum “controlo”. Manter as rotinas e as pequenas tarefas diárias assegura a manutenção de um elo de ligação entre as atividades importantes da vida habitual, transmitindo segurança, controlo e continuidade. Saber que a seguir à hora de ir para a cama, vem o acordar, o pequeno-almoço, a ida para a escola, o encontrar os amigos e todas as outras atividades ajuda a serenar e a estabilizar a nova realidade vivida pela criança.
Não obstante as vantagens das rotinas, é desejável manter alguma flexibilidade para introduzir pequenos ajustes sempre que necessário e deixar alguns acontecimentos e adaptações fluírem ao seu próprio ritmo.
6. Oferecer escolhas e restaurar a sensação de controlo
Perante a morte de alguém, a criança/adolescente, à semelhança do adulto, sente-se impotente e sem qualquer poder de controlo sobre os acontecimentos.
Dar opção de escolha e convidar a participar nas decisões ajuda a criança a reconstruir a noção de controlo e a reduzir a sensação de que o mundo é inseguro e instável. Estas escolhas podem ser tão lineares como: “Que cereal é que queres comprar para o pequeno-almoço?” ou tão significativas como: ”Gostarias de assistir ao serviço fúnebre?”
7. Ajudar a criança a sentir-se segura visualizando um cenário ou pensamento pacificadores
Perante um acontecimento negativo ou triste, é normal ter medo e pensar que outras coisas más podem acontecer.
Por vezes, os medos surgem através de imagens ou pensamentos que insistem permanecer na nossa mente. Tentar simplesmente afastá-los não costuma ser de grande eficácia podendo mesmo surtir o efeito contrário, aumentando a intensidade daquilo que receamos.
Ensine e incentive a criança/adolescente a substituir as imagens ou pensamentos assustadores por outros que sejam tranquilizadores e que transmitam conforto e segurança.
Por exemplo, após a morte do pai durante o sono, a pequena Maria de sete anos ficou com medo de que todas as coisas más acontecem à noite. Também ficou muito assustada com as luzes da ambulância que podia ver através da janela do seu quarto. Como a Maria adora girafas, ela e a mãe, recortaram e colaram a imagem de uma girafa num papel com a frase “É seguro dormir.” escrita em grandes letras cor-de-rosa. Colocaram a moldura com a imagem na mesinha de cabeceira do quarto da Maria para que a possa olhar sempre que precisar de se sentir aconchegada durante a noite.
Elaborado com base no artigo Helping Children & Teens Cope with Fear After a Death from The Dougy Center: The National Center for Grieving Children & Families. Web (www.dougy.org).