A igualdade de género é, atualmente, um dos temas mais debatidos a nível internacional. Incutir nas crianças princípios de diversidade, equidade e inclusão depende, acima de tudo, dos valores transmitidos em família.
A família contribui de forma decisiva para o desenvolvimento da criança e para a forma como se vê a si própria e ao mundo que a rodeia. É no contexto familiar que as crianças se sentem seguras, constroem as primeiras relações e formam a sua identidade, desenvolvem os seus interesses e valores.
Desde tenra idade que os pequenos aprendem por observação e imitação dos comportamentos das pessoas que admiram, pelo que, durante a infância, os pais e familiares têm uma grande influência no futuro da criança.
Se viajarmos pelas nossas memórias da infância, desde cedo percebemos que a construção do género está presente mesmo antes do nosso primeiro dia de vida.
A partir do momento em que a mulher partilha que está grávida, surge a pergunta óbvia: “É menino ou menina?”. Depois de saber o sexo da criança, a família começa de imediato a construir o seu género, através das expetativas relativamente às características do bebé, ao seu temperamento, às atividades que poderá realizar, e começa a preparar a sua chegada com a escolha das cores e roupas “apropriadas” ao género.
“Diferenciação de género é criada e mantida desde a infância”
Estas crenças são perpetuadas ao longo do crescimento das crianças e acabam por determinar a escolha das atividades que frequentam nos tempos livres, das responsabilidades em casa, dos programas de televisão, dos presentes e dos filmes ou livros que se sugere às crianças em função de serem meninos ou meninas.
Diferenciação nas tarefas domésticas
Para Mariana Coelho, Psicóloga Clínica e da Saúde, um dos exemplos mais clássicos que “define e usurpa as definições de género”, prende-se com os “papéis que socialmente os homens a e as mulheres devem assumir” que criam, automaticamente, “diferenciação de género no que toca a deveres, direitos e responsabilidades”.
“Continuamos a viver numa sociedade predominantemente machista que (des)classifica as mulheres e, apesar de termos vindo a assistir, ao longo dos últimos anos, a uma tentativa de reconstrução de crenças e adoção de narrativas mais igualitárias, ainda é difícil de observar na prática”, acrescenta.
As mulheres continuam a realizar a maior parte das tarefas relacionadas com a casa e com os cuidados dos filhos. Apesar de os papéis se complementarem, ainda é visível uma maior valorização da mulher que demonstra uma maior preocupação com o papel familiar e maternal em detrimento das que demonstram preocupação em relação ao âmbito profissional.
Do outro lado do espetro, é esperado socialmente que os homens se foquem na carreira profissional, não existindo impertinente caso não consigam participar na vida familiar ou paternal de forma tão ativa.
Muitas vezes, estas perspetivas são incutidas na criança, ainda que de forma indireta, através do contexto sociocultural em que estão inseridas. Como vimos, as crianças tendem a imitar comportamentos das pessoas mais chegadas, pelo que, é através da observação dos comportamentos e atitudes de familiares, que tendem a aceitar os modelos de género mais convencionais.
Papéis de género estão refletidos nas brincadeiras das crianças
Os papéis de género estão também refletidos na escolha dos brinquedos, das atividades ou das brincadeiras que continuam, automaticamente, a induzir com o que cada género se deve identificar.
As meninas são educadas para gostar de rosa, brilhantes e de princesas e aprendem, desde cedo, a brincar com itens relacionados com a maternidade, como os nenunos e carrinhos de bebé; e com as tarefas domésticas, como é o caso das casas de bonecas com eletrodomésticos, acessórios de cozinha e vassouras e tábuas de passar a ferro. O cuidado pela aparência física é inspirado pelos artigos de maquilhagem e roupas e sapatos-faz-de-conta-de-salto-alto.
Já os meninos, são incentivados a brincar com super-heróis, armas, máquinas, carrinhos e itens de construção… artigos que transmitem modelos de agressividade e poder.
“O género destaca-se como uma das barreiras que mais limita a liberdade de escolha, quer em termos escolares, quer em termos profissionais, podendo influenciar a forma como as crianças e jovens tomam as suas decisões ao longo do ciclo da vida”
APAV, 2019
“Parece que, por ser menina, tem de aprender as lides domésticas e, os meninos, a trabalhos pesados. Desde muito cedo, são criadas determinadas expetativas consoante o género. E isto não pode ser mais limitador”, refere a psicóloga.
E ainda se ouvem “comentários desajustados” se, por exemplo, um rapaz escolher brincar com bonecas e gostar de dança ou se uma rapariga preferir brincar com carrinhos ou jogar futebol.
Importa realçar que todas as crianças devem experimentar diferentes brinquedos e brincadeiras, pois é esta diversidade que contribui para um crescimento saudável, permitindo-as ganhar e treinar várias competências imprescindíveis para um futuro de sucesso.
Mariana Coelho defende que, para uma mudança de paradigma, tem que existir uma sensibilização e (re)educação da igualdade de género nas famílias e na sociedade. E a mudança começa em casa.
“Nos dias de hoje, observamos que os (pre)conceitos se mantêm de forma mais significativa nos adultos do que nas crianças. Terá a ver com o facto de as crianças terem menos crenças disfuncionais enraizadas e de, socialmente, perceberem que não faz sentido esta diferenciação? É nesta maior plasticidade mental que há espaço para a mudança se forem criadas condições.”
A igualdade de género pressupõe uma sociedade mais justa, valores que devem ser incutidos desde cedo no contexto de familiar, escolar e sociedade em geral.
Esta temática continua a ser, para algumas pessoas, “um não assunto. Foram assim criadas e assim vão educar, de geração em geração, com tabus, vergonhas e sentimentos de inadequação”.
No entanto, o caminho está traçado e o sucesso depende de cada um de nós: desmitificar as crenças que ditam o que um menino ou menina, adolescente, homem ou mulher podem, têm de ser ou fazer.