Sesta das crianças é tão importante como comer. Esta afirmação da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) resulta da constatação que “em Portugal as crianças, principalmente as que frequentam os estabelecimentos públicos, em norma não realizam a sesta após os três anos de idade“.
Esta organização avaliou os benefícios e consequências da privação da sesta numa criança, concluindo que esta deve ser implementada até à idade escolar afirmando ainda que a falta da sesta nas crianças com idades a partir dos 3 anos representa “um grave problema de saúde pública“.
Sesta das crianças é tão importante como comer
A importância do sono no desenvolvimento
O sono é um estado muito complexo que serve para reorganizar todas as funções do organismo e garantir a sua recuperação física e psíquica.
Durante o sono há renovação celular, produção de hormonas e anticorpos assim como síntese de proteínas e regulação metabólica. Nas crianças o sono contribui de forma importante para o seu crescimento corporal.
Os ciclos de sono na infância
Ao nascer, os ciclos de sono não são influenciados pela alternância entre o dia e a noite. O bebé dorme em média 17 horas e é a fome que o desperta. Gradualmente, após o 1º mês de vida, o sono vai-se consolidando em torno do período noturno.
Por volta dos 6 meses o lactente faz 2 a 3 sestas durante o dia. A partir de 1 ano de idade, a duração do sono diminui em média para 14 a 11 horas e a criança faz três períodos de sono, um de noite e dois de dia: de manhã e à tarde.
Entre os 15 e os 30 meses de idade suspende espontaneamente a sesta da manhã, mantendo a sesta da tarde que só abandonará entre os 3 e os 5 anos, ou mais tarde, em algumas crianças.
Recomendações sobre o número de horas diárias de sono
Em relação ao número total de horas diárias de sono, as recomendações na declaração de consenso publicada pela AASM [1] são as seguintes:
- Lactentes dos 4 aos 12 meses: 12 a 16 horas por 24 horas (incluindo sestas);
- Crianças de 1 a 2 anos: 11 a 14 horas por 24 horas (incluindo sestas);
- Crianças de 3 a 5 anos: 10 a 13 horas por 24 horas (incluindo sestas);
- Crianças de 6 a 12 anos: 9 a 12 horas sono noturno por 24 horas;
- Adolescentes de 13 a 18 anos: 8 a 10 horas sono noturno por 24 horas.
Não foram contempladas nestas recomendações idades inferiores a 4 meses devido a uma ampla variação dos normais padrões e duração de sono nesta faixa etária, bem como à insuficiente evidência científica de associação com consequências na saúde.
Com base nesta recomendação, as crianças de 1 a 2 anos necessitam de 10 a 11 horas de sono noturno e 2 a 4 horas de sesta e as crianças de 3 a 5 anos 10 a 11 horas noturnas e 1 a 3 horas de sesta.
Recomendações para a sesta das crianças
A duração diária do sono diminui progressivamente ao longo do crescimento e múltiplos estudos têm procurado determinar o número de horas de sono adequado para cada faixa etária. Em Portugal, a maior parte das crianças não consegue completar o tempo de sono recomendado para a sua idade.
Preocupada com esta questão a secção de pediatria social da SPP solicitou a um painel de peritos nesta área que emitisse um parecer / consenso com o objetivo de uniformizar e promover a melhor prática para o sono diurno ou sesta da criança, desde os 3 meses aos 36 meses de idade (creche) e dos 3 até aos 6 anos de idade (pré-escolar), em estabelecimento público ou privado.
A recomendação vai no sentido das crianças com idades entre os três e os 5 / 6 anos realizarem uma sesta, de preferência no início da tarde e com uma duração de aproximadamente hora e meia.
A SPP salienta que, após os 4 anos, nem todas as crianças necessitam de fazer a sesta de forma regular, pelo que “a família e a educadora de infância deverão avaliar, em conjunto, a necessidade da sua prática em cada criança“.
Consequências da privação do sono na criança
Segundo a SPP, a privação do sono na criança está associada a efeitos negativos a curto e a longo prazo em diversos domínios, tais como o desempenho cognitivo e aprendizagem, a regulação emocional e do comportamento, o risco de quedas acidentais, de obesidade e hipertensão arterial.
Consequências a curto prazo:
Distúrbios na modulação do humor e dos afetos
- Irritabilidade / birras;
- Maior reatividade emocional;
- Humor variável;
- Perda do controle emocional.
Perturbação da função neuro-cognitiva
- Falta de atenção / distração;
- Incapacidade de concluir tarefas;
- Diminuição da flexibilidade do pensamento;
- Diminuição do raciocínio abstrato;
- Perturbação da memória.
Alteração do comportamento
- Sonolência diurna;
- Agressividade;
- Impulsividade / hiperatividade.
Alteração motora
- Diminuição da destreza motora;
- Aumento de lesões acidentais e quedas frequentes.
Consequências a longo prazo:
Aprendizagem
- Mau rendimento escolar.
Comportamento
- Hiperatividade e défice de atenção (perturbação da hiperatividade e défice de atenção).
Psicológicas
- Ansiedade;
- Depressão.
Alterações orgânicas
- Alteração da função endócrina;
- Alteração da função imunológica;
- Alteração do metabolismo do açúcar (glicose);
- Obesidade / excesso ponderal;
- Hipertensão arterial.
Perturbação da vida familiar
- Aumento do risco de depressão materna;
- Aumento do risco de disfunção familiar.
Ainda segundo as recomendações da SPP, a privação da sesta e a não realização do total de horas de sono diárias são uma problemática frequente na prática clínica pediátrica e motivo de preocupação para os pediatras e médicos de família assim como para as respetivas famílias.
[1] American Academy of Sleep Medicine (2016)
Bibliografia: Recomendações SPS-SPP: Prática da Sesta da Criança nas Creches e Infantários, Públicos e Privados. Data: 1ª versão: setembro 2016 / versão publicada: 1 de junho de 2017