Maria e Joana são duas mulheres grávidas em condições iguais. Porém, podem ter partos diferentes. Maria pode ser sujeita a uma indução de parto e Joana não. Maria terá mais probabilidades de fazer uma cesariana e Joana um parto vaginal.
Entre outros factores, o desfecho depende da escolha do hospital. Esta é uma das principais conclusões do estudo de Cristina Teixeira, que, no âmbito da sua tese de doutoramento, avaliou a cesariana e o seu papel na cultura, sociedade e cuidados de saúde.
Probabilidade de cesariana também depende do hospital
A investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (UP) concluiu ainda que há uma significativa percentagem de partos induzidos sem indicação clínica e que, no plano cultural, as mulheres brasileiras são as que mais optam por uma cesariana.
“Há uma percentagem de cesarianas que se devem exclusivamente a diferenças de prática clínica entre hospitais”, conclui o estudo de Cristina Teixeira, que quis avaliar os factores de risco associados à actual prevalência da cesariana em Portugal.
Na investigação participaram 8351 mulheres, recorrendo-se a informação obtida durante o recrutamento da coorte de nascimentos Geração XXI, um projecto que acompanha desde 2005 o desenvolvimento de 8647 crianças nascidas em cinco hospitais públicos da Área Metropolitana do Porto.
O trabalho mostra diferenças significativas no tipo de parto das mulheres de acordo com diferentes hospitais. Se, num caso, se regista que mais de 75% das mulheres entraram em trabalho de parto espontâneo, num outro hospital essa percentagem fica-se pelos 41% e é mesmo ultrapassada pelo número de casos (41,7%) em que houve recurso a indução do parto.
No caso das cesarianas, a mesma coisa. A unidade hospitalar com o registo mais baixo de cesarianas apresenta um valor de 26,4% do total de partos, enquanto num outro hospital este indicador chega aos 41,4%. É de salientar ainda que o hospital onde houve mais partos induzidos é o mesmo que apresenta a mais elevada taxa de cesarianas.
Provocar um parto (indução) é um procedimento que só deve ser feito quando há determinadas indicações clínicas e que pode aumentar o risco de cesariana.
O estudo de Cristina Teixeira detectou “diferenças na proporção de mulheres que são submetidas a indução de trabalho de parto (esta proporção varia entre 17% e 42%) e, principalmente, diferenças na proporção de mulheres que são submetidas a este procedimento sem qualquer das indicações clínicas (esta proporção varia entre 20% e 46%)”.
“Isto sugere grande variabilidade na adesão a guidelines existentes respeitantes à indução do trabalho de parto”, conclui. A investigadora nota ainda que “há variabilidade entre hospitais no risco de cesariana após indução” e que “esta variabilidade é mais evidente se considerarmos apenas o grupo de mulheres que são submetidas a indução sem qualquer indicação para cesariana”.
“Percebemos que os hospitais parecem ter protocolos muito diferentes sobre o início do trabalho de parto, há hospitais que induzem mais do que outros. E, nalguns casos, esta indução faz-se sem as condições que são consideradas nas guidelines para este procedimento”, nota Cristina Teixeira ao PÚBLICO, confirmando que, “aparentemente, há uma relação que se pode extrapolar entre um maior recurso à indução e um maior risco de cesariana”.
Há ainda outros factores que podem aumentar o risco de uma cesariana, como o elevado número de situações (entre 70 e 75%) em que se opta por este procedimento por causa de uma cesariana anterior. “Não é uma indicação. A justificação é o risco de uma ruptura uterina, mas esse risco é muito baixo”, diz Cristina Teixeira, admitindo que esta é uma abordagem conservadora.
A tese conclui que há também factores culturais que influenciam o processo de decisão quanto ao modo de parto. “Mulheres brasileiras em Portugal têm maior probabilidade de parto por cesariana, independentemente das características obstétricas.
O Brasil é um dos países com mais elevada prevalência de cesariana e as mulheres brasileiras imigrantes em Portugal parecem transplantar para o país de acolhimento a cultura do país de origem relativamente à maternidade”, refere o trabalho.
Os dados analisados pela investigadora remontam a 2005. O que mudou entretanto? “Tem havido um trabalho para reduzir as cesarianas, mas a prevalência não diminuiu muito”, constata a autora da tese.
Aliás, nos anos seguintes a 2005/2006 a taxa de cesarianas continuou a aumentar. Em Portugal, a taxa só baixou pela primeira vez em décadas há dois anos, quando passou de 33%, em 2010, para 31%, no ano seguinte. O objectivo dos 20-25% recomendado pelos especialistas está longe de ser alcançado e, para isso, o Ministério da Saúde criou este ano a Comissão Nacional para a Redução da Taxa de Cesarianas.
O epidemiologista Henrique Barros, da Faculdade de Medicina e do Instituto de Saúde Pública da UP, é mais assertivo: “Não mudou nada desde 2005”.
Mas, mais do que analisar os números, Henrique Barros pede que se olhe para este “trabalho científico que explica uma realidade”. “Nada vai mudar se não houver uma intervenção sobre as causas. E, neste trabalho, temos explicações sobre isso. É irrelevante que o trabalho tenha sido feito com dados de 2005/2006.
Não estamos a discutir se são 10 ou 20%. Estamos a perceber as causas. E temos aqui explicações para o facto de os hospitais terem taxas diferentes”, sublinha.
Henrique Barros lembra que há indicações muito precisas para justificar o recurso à cesariana – que implica alguns riscos para a mãe e para a criança – como a placenta prévia ou uma posição fetal anómala, entre outras.
E, sublinha, estas indicações objectivas não são suficientes para justificar a elevada taxa de cesarianas ou a variação observada entre hospitais. Assim, conclui: “Esta comissão, os especialistas, o Ministério da Saúde não podem ignorar estes resultados e têm de garantir que, para mulheres iguais, os hospitais respondem da mesma forma”.