A perda gestacional é um termo que abrange diferentes tipos de perdas: aborto espontâneo no início da gravidez ou perda gestacional numa fase mais avançada da gravidez, morte do bebé no período neonatal (incluindo bebés recém-nascidos) e morte do bebé pouco tempo após o seu nascimento.
A perda gestacional deita por terra todos os sonhos, a excitação, os planos futuros e a antecipação de conhecer o novo ser que se gerou. Este acontecimento na vida de um casal pode trazer – e traz, na maioria das vezes – muitas emoções ao de cima difíceis de digerir. Entre eles está a tristeza, raiva, apatia, despero, choque.
Há que fazer o luto. Mas o luto pode ser moroso e penoso. Quando os amigos e familiares sabem, tentam dar consolo dizendo algumas frases que muitas vezes só suscitam mais revolta interior. Não que o façam por mal – isso não será, certamente -, mas provocam muita dor nas duas pessoas que se preparavam para embarcar na maior aventura das suas vidas: serem pais. Por esse motivo, enumeramos algumas frases que não devem ser ditas quando sucede algo deste género.
“Tu és nova. Vais ver que vais engravidar outra vez num instante!”
Quando uma mulher perde um bebé, não há nenhum outro que o possa substituir. Além disso, esta frase acaba por não dar o devido valor ao que aquela mãe e aquele pai – sim, já são pais, porque experienciaram esse sentimento de amor incondicional por uma terceira pessoa, o bebé já era um filho – estão a sentir e o momento que estão a passar. Ainda estão a digerir o que se passou. Ainda estão a ouvir as suas emoções e tentar processá-las. Ainda há todo um luto para fazer.
Eles estavam à espera daquele bebé e não há nada que possa substituir essa perda.
“Foi o melhor. Havia algo de errado com o bebé.”
Várias são as crianças que nascem com problemas de saúde ou passam por dificuldades no processo gestacional ou parto, e apesar de não ser fácil para muitos pais, isso não dita o amor que sentem pelos filhos. Portanto, dar ênfase à causa da morte do bebé não vai confortar, de forma nenhuma, os pais.
“Agora, o bebé está num lugar melhor” ou “Agora tens um anjinho a olhar por ti/vocês”
A ideia é dar conforto, mas imagine que os pais não acreditam que existe algo para além da morte, ou que os pais sentem essa afirmação como “o bebé está melhor longe de vós”… Esta frase baseia-se crenças e formas de pensar e/ou ver a vida.
“Antes agora ao início do que mais tarde” ou “Estavas tão no início que, medicamente, ainda nem era um bebé”
A partir do momento em que a mulher engravida, para ela e para o companheiro é um bebé. Os factos médicos não ajudam a superar a morte de um filho, de um bebé que ainda não tinha nascido. Se era um embrião, um feto ou um bebé… será que isso é o que realmente importa? Independentemente do termo científico, para o casal era o seu filho, o seu bebé. Mais uma vez, estas duas frases tocam num ponto muito pessoal: na perspetiva do significado de gravidez; da forma como se encara essa gravidez; das crenças espirituais a partir do momento em que a mulher está em pré-conceção ou já grávida e ouve o coração, aquilo que determina que existe vida e, para os pais, é já um pequenino ser humano a habitar no seu ninho de amor, no útero da sua mãe, independentemente de ser um feijãozinho ou do tamanho de uma melância.
Portanto, mais uma vez estes são exemplos que não ajudam. Ao invés, podem gerar mais revolta e raiva.
“Devias estar grata pelos filhos que já tens”
Qualquer pai ou mãe está grato pelos filhos que tem, que teve, que não chegou a ter (não chegaram a nascer). Tudo o que não precisam neste momento tão peculiar é que os recordem da importância da gratidão pelo que já se tem.
Já é suficientemente difícil e desafiante dar atenção e carinho aos filhos quando se passa por uma situação destas. Muitas vezes, o ritmo frenético de um casal com filhos fá-los nem processar bem o que se passou e a fase do luto, tão importante, acaba por não se realizar (ou não é feita por completo). E isso é algo extremamente importante porque todos os momentos que deixam feridas têm de ser cuidados para que possam cicatrizar. Caso contrário, uma possível gravidez futura pode ser vivida numa ansiedade desmedida com receio que o desfecho seja o mesmo.
“Não sei o que faria se fosse comigo”
Este tipo de comentários tiram o foco do pai ou mãe que passou pela perda gestacional e colocam a atenção do outro lado.
Sendo este um momento extremamente difícil, os pais sentem-se sem forças pelo que é de evitar que lhes coloque as suas inseguranças em cima dos ombros.
“Com o tempo tudo passa.”
Bem… sim e não. O tempo pode de facto ajudar, mas também pode não ser esse o caso. A verdade é que uma perda é sempre uma perda e o sentimento a ela associado pode sofrer alterações, mas nem sempre acontece e, como tal, não se deve partir desse pressuposto. Pode estar, sem perceber, a dar uma falsa esperança. Além disso, a perda gestacional marca para sempre a vida de um casal e ao fazer este comentário pode dar a entender que não tarda já passou e já foi, já se esqueceram, que foi um acontecimento menor, quando, na realidade, este momento ficará para sempre gravado na sua história. Nunca se vão esquecer, o que não tem de ser necessariamente mau, uma vez que tudo o que acontece serve para que desenvolvamos ferramentas para ultrapassarmos os acontecimentos menos bons. E de tudo o que acontece surge uma grande lição. É o crescimento, o amadurecimento.
“Tudo acontece por uma razão”
Sim, é um facto. Mas dizê-lo nessa altura pode não “cair” muito bem. Aliás, pode mesmo gerar um ataque de fúria naqueles que estão em profundo sofrimento.
Se há coisa que os pais – acredito que todos, na verdade – têm dificuldade em entender é a partida tão precoce de um bebé ou criança. Se já custa quando são adultos, quando são bebés ou crianças com toda uma vida pela frente e com tudo ainda para viver, mais difícil é esse processo de aceitação.
Os pais podem até sentir que sim, que a perda aconteceu por um motivo, mas será algo que eles próprios irão perceber ao integrar, sentir e analisar as emoções, à medida que forem fazendo uma retrospetiva da sua vida. Mas ninguém melhor que eles para perceber se isso faz ou não sentido – e mesmo que faça, não o vão sentir logo porque surgiram uma série de perguntas nas suas cabeças, e as emoções fervilham como num bule de água a ferver.
Troque o que se ouve pela sensibilidade
Em vez das frases acima expostas, considere antes usar uma das seguintes frases:
- “Lamento muito.”
- “Estou aqui se precisares de falar.”
- “Se não te apetecer falar, eu posso só sentar-me aqui ao teu lado e fazer-te companhia.”
- “O que posso fazer por ti? Há algo que te possa ajudar?”
- “Como te sentes?”
- “Se precisares de mim, a qualquer hora, eu estou aqui, à distância de uma mensagem ou telefonema.”
- “Lembro-me que eu também senti isso quando perdi o meu bebé” (no caso de ter passado por uma perda gestacional. Pode ajudar a sentirem-se compreendidos)
- “Sei que nada do que diga ou faça vai fazer com que a dor desaparece. Quando estiveres pronta diz-me e eu ajudar-te-ei no que precisares”.
Como dar apoio a um casal que passa por uma perda gestacional?
Além destes comentários empáticos e carinhosos, há outras coisas que pode fazer e fazem a mãe e o pai sentirem-se bem, acolhidos, compreendidos e amados, tais como:
- Continuar a ligar e retomar a chamada se não foi a tempo de atender. Especialmente nos primeiros tempos, é muito importante que o casal esteja rodeado de uma forte rede de suporte.
- Não dar demasiada importância ao comportamento do casal. Nem sempre os pais têm força anímica para responder ou ligar de volta. Há quem queira falar e há quem precise de se fechar para sentir e passar pelo processo de cura. Há que respeitar a decisão individual de cada um.
- Reconheça a perda, nem que seja a expressar as suas condolências. É importante para o casal que assim seja.
- Pergunte em que pode ajudar. Nestas alturas, as ajudas são sempre bem vindas.
- Ouça. Simplesmente isto. Oiça de forma ativa o que estes pais têm a dizer. Deixe-os contar a história, falar sobre o que sentiram. É uma parte muito importante deste processo.
A perda gestacional é muito doloroso para os pais, amigos e até família. É uma altura em que o que é dito ou como a forma de expressar deve ser pensado, por forma a ajudar os pais a fazerem o luto e não a alimentar mais a mágoa.