Uma criança de cerca de sete anos, diagnosticado com epilepsia, foi submetida a uma lobotomia. Após inúmeras tentativas de tratamento para as crises convulsivas, a equipa multidisciplinar que o acompanhava decidiu optar por outro procedimento, a intervenção cirúrgica. Essa cirurgia, nomeada Lobotomia.
O que é a Lobotomia?
É o nome dado à cirurgia na qual é extraída uma parte do cérebro. Essa extração pode ser realizada num dos dois diferentes hemisférios do cérebro e num (ou mais) diferentes lobos (partes do cérebro): o frontal, occipital, parietal ou temporal.
Antigamente, era uma técnica utilizada especialmente em doentes com doenças mentais. Atualmente, trata-se de um procedimento frequente na remoção de tumores. Contudo, esta “extração de uma área do cérebro pode afetar as suas funções relacionadas. Se for extraída a parte posterior do lobo frontal esquerdo, a fala pode ficar comprometida”, por exemplo, pode ler-se na revista Super Interessante.
Nos casos de doenças que afetam o cérebro como a epilepsia, esta intervenção tem como objetivo extrair a região do cérebro que está a causar as descargas neuronais que, por sua vez, causam as convulsões, precisamente o caso de U.D. (nome fictício para proteger o anonimato da criança).
Impacto da cirurgia: uma surpresa agradável
Na intervenção cirúrgica de D.C. foi extraído o lobo occipital (responsável pelo processamento da visão) e grande parte do lobo temporal (recebe os sinais visuais e auditivos) do hemisfério direito.
Uma equipa de cientistas da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos da América, propôs-se a fazer o acompanhamento da criança. O objetivo era estudar o impacto da lobotomia no desenvolvimento e funções cerebrais daquele menino. Para isso, nos três anos posteriores à cirurgia, a equipa solicitou que D.C. fizesse ressonâncias magnéticas funcionais. Além disso, os cientistase também fizeram várias avaliações do seu desempenho em tarefas visuais e comportamentais.
Segundo publicado na revista científica Cell Reports, foi possível observar que o hemisfério esquerdo, parte do cérebro que não foi alvo de intervenção, começou a trabalhar pelos dois hemisférios. Desta forma, compensava as perdas visuais decorrentes da extração de quase um terço do hemisfério direito do cérebro, como reconhecer caras e objetos.
Contudo, o menino ficou sem conseguir ver a 180 graus. A razão, explicada pela autora do artigo, Marlene Behrmann, em comunicado de imprensa é simples: “Quando está a olhar para a frente, as informações visuais no lado esquerdo não são processadas [porque o lado direito recebe a informação visual do esquerdo], sendo que pode compensar isso ao virar a cabeça ou mover os olhos”.
A criança, atualmente com 13 anos, está em perfeitas condições de saúde, não voltando a ter convulsões após a cirurgia.
Não obstante, os resultados mostraram-se surpreendentes até para a equipa de cientistas. “Estes resultados dão-nos uma caracterização detalhada da plasticidade do sistema visual durante o desenvolvimento do cérebro da criança”: explicam na nota.
Determinadas funções cerebrais compensadas
Em declarações ao Público, a autora principal do estudo explica que esta investigação “mostra que funções do sistema visual podem ser restabelecidas e quais as funções que não podem ser compensadas”.
Estima-se que atualmente a medicação ou tratamentos alternativos não produzam efeito em cerca de 4 a 6% da população com epilepsia. É precisamente nesses casos que a lobotomia deve ser ponderada, avança Marlene Behrmann.
A lobotomia, procedimento desenvolvido pelo médico neurologista português António Egas Moniz, outrora conhecido pelos efeitos secundários graves – que levavam inclusive à morte -, é agora bastante diferente e permite maior segurança e eficácia: “Agora o procedimento é feito com grande precisão. Fazer exames de ressonância magnética permite aos cirurgião identificar onde é a região que dá origem às convulsões”.
No entanto, a médica e cientista declara serem necessários mais estudos para compreender por que razão alguns pacientes recuperam e outros não, entre muitas outras perguntas que ficam por responder.