As crianças passam cada vez mais tempo coladas aos telemóveis, tablets e em frente à televisão. Apesar de, em alguns casos, serem considerados uma excelente ferramenta de aprendizagem, há especialistas que alertam para os efeitos negativos desta exposição excessiva aos ecrãs.
De facto, muitos pais se preocupam com a questão da adição às novas tecnologias, pois cada vez mais conhecemos crianças afogadas nesta distração.
Mas esta dependência tecnológica parece, também, estar a roubar tempo e qualidade à relação entre pais e filhos. Quantas vezes passou o telemóvel ao seu filho para impedir ou travar uma birra? E lembra-se de alguma situação em que o seu filho lhe pediu para brincar e estava com os olhos no ecrã a fazer scroll nas redes sociais?
Tempo de ecrã excessivo significa menos tempo para brincar
Francisca Silva Ferreira, Psicóloga da Educação e do Desenvolvimento, refere que “o uso excessivo de ecrãs está associado a um desenvolvimento deficitário de capacidades físicas e cognitivas e que contribui para a obesidade, problemas de sono, depressão e ansiedade em idade pediátrica. Dos dispositivos eletrónicos, o efeito da televisão tem sido alvo de vários estudos, sobretudo nas áreas da linguagem e da cognição. Os resultados apontam para uma possível associação entre o tempo passado em frente ao ecrã e o aumento de problemas de comportamento e de perturbação da linguagem”.
E quanto mais tempo passam a jogar no tablet ou a ver vídeos no telemóvel, menos tempo resta para as brincadeiras que devem ser predominantes na vida da criança. Os mais pequenos devem ser estimulados a participar em atividades sem ecrãs, com interações cara a cara, exercício físico e brincadeiras no exterior. Este tempo de brincadeira livre promove a criatividade e o desenvolvimento psicomotor.
Por isso, na verdade, a tecnologia quando equilibrada, não é uma adição ou uma droga. A grande questão reside na essência da criança: não deve nem podemos permitir que se prive de participar em atividades cognitivas e sociais essenciais ao seu desenvolvimento em troca de estar agarrada a um ecrã.
E, como sabemos, a tecnologia pode ser porta de evolução e de conhecimento. “Existem milhares de aplicações e programas marcados como educacionais que acabam por deixar os pais confortáveis com a exposição aos ecrãs”. No entanto, é essencial haver um acompanhamento na visualização dos conteúdos, de forma aos pais ajudarem a criança a interpretar o que vê.”
Muitas aplicações são uma boa ferramenta e usam estratégias, por exemplo, para o desenvolvimento da linguagem: nomear objetos, ter personagens que falam diretamente para as crianças e dar oportunidade à criança para responder.
Apesar dos referidos benefícios, o “autocontrolo, a empatia, as habilidades sociais e a resolução de problemas ficam por aprender”.
A tecnologia como brinquedo para calar ou sossegar
A tecnologia pode ser muito útil para lidar com situações de maior stress, como, por exemplo, acalmar uma criança à mesa num restaurante ou para acabar com uma birra. Mas, de acordo com Francisca, este comportamento não é correto, pois “introduz os mais novos a um sentimento de recompensa e de liberdade e alimentam apenas aquilo que são as suas vontades.” Isto leva a que, no futuro, “seja muito mais difícil saberem fazer uma gestão adequada da frustração”.
“As crianças devem desenvolver mecanismos de autorregulação e aprender a lidar com a frustração”. Tente conversar “sobre formas de resolver o problema, inventar alternativas para evitar o aborrecimento ou a zanga, acalmá-los e descobrir outras estratégias para canalizar as emoções”, acrescenta.
Naturalmente e, em especial na fase da adolescência, os pais têm maior dificuldade em fazer a contenção “de algo que deveria ter sido feito de forma gradual” e não mais tarde à força. “Como é que se proíbe um adolescente de usar o telemóvel à mesa quando desde pequeno foi habituado a ver desenhos animados ao almoço?”
E este uso indevido das tecnologias atinge, também, as nossas emoções e demonstração de afetos perante os outros. Para a psicóloga, “o código de interação social fica automaticamente bloqueado, às vezes sem acesso ao puk, mesmo depois de três tentativas. É muito fácil perceber que os códigos de comunicação dentro do nosso sistema familiar estão, na grande maioria, barrados!”
Os pais devem dar o exemplo
A criança imita modelos e, por isso, cresce tendo os pais como referência. Por exemplo, se os filhos se habituam a ver os pais com um livro na mão, mais facilmente vão imitar este comportamento e desenvolver hábitos de leitura.
“É inevitável que nós, pais, não conseguimos resistir à tentação de atender ou responder a uma mensagem em determinado momento”. Aqui, a palavra-chave é equilíbrio. “O equilíbrio distingue-se naquilo que tem mesmo que ser feito quando temos os filhos connosco ou naquilo que pode ser feito posteriormente, quando não estão.”
As relações precisam de afeto, de toque, de contacto ocular e de presença, basta escolher onde é que preferimos estar presentes!”, sublinha a psicóloga.
Algumas práticas para equilibrar o uso das tecnologias:
- Para crianças com idade inferior a dois anos, o tempo de ecrãs deve ser zero;
- Entre os 24 meses e os cinco anos, o tempo de ecrã deve estar limitado a uma hora diária;
- Em idade escolar, devem ser estabelecidos limites de tempo e tipo de programas permitidos, para que haja um equilíbrio entre o tempo de ecrãs e outras atividades;
- As crianças não devem dispender tempo sozinhas ao ecrã. Sempre que possível, deve haver um acompanhamento na visualização dos conteúdos;
- É muito importante ter a certeza que os dispositivos não retiram tempo e qualidade ao sono, à atividade física ou a outros comportamentos essenciais a um estilo de vida saudável;
- Devem ser definidos, em família, tempos sem ecrã (por exemplo, nas refeições) comuns a todos os membros;
- A televisão e outros media devem ser desligados enquanto as crianças brincam, para que não hajam distrações no processo criativo da brincadeira livre;
- É normal que os adolescentes utilizem as redes sociais. Estas muitas vezes servem de suporte emocional e são onde eles descobrem mais sobre o seu lugar no mundo. No entanto, é importante saber se os comportamentos são adequados (online e no mundo real) e relembrar que as definições de privacidade não tornam os conteúdos realmente privados e que aquilo que partilham passa a fazer parte da pegada digital.
É importante lembrar que os limites são necessários, no quotidiano e no mundo virtual. Lembre-se que os pais e educadores são “construtores de infâncias.” As crianças nem sempre vão utilizar corretamente os ecrãs. Cabe aos pais “saber lidar com os erros e, com empatia, transformá-los em aprendizagens e momentos construtivos.”
Para Francisca, “o importante é estar próximo e manter-se on perante os interesses dos filhos, sempre! E quando estivermos mais off, não devemos ter receio de procurar ajuda, mas antes encarar isso como um ato de coragem para evoluirmos nas nossas práticas parentais”.