O psicólogo e psicanalista Eduardo Sá defendeu hoje que quanto mais tarde uma criança começar a manifestar o sofrimento devido à morte de um familiar, mais tendência há de se tornar “explosivo”.
Crianças vivem luto em diferido
“Preocupa-me que um trabalho de luto se dê em diferido“, afirmou Eduardo Sá em Viseu, durante as jornadas de pediatria “Um olhar diferente”.
Segundo o psicólogo, quando morre o avô o que as crianças querem saber é “se era tão indispensável e precioso para nós, porque é que se foi embora, porque é que nem sequer teve a decência de se despedir e porque é que o fechamos numa caixinha, o pomos debaixo da terra e o deixamos abandonado de noite, à chuva e ao frio”.
Admitindo não ter uma “fórmula” para ajudar os pais e os profissionais de saúde a lidar com estas situações, Eduardo Sá considerou “ternurenta” a justificação de que “o avô foi para um lugar muito melhor”, o que, à escala de uma criança, representa “um sítio onde não se tem de acordar todos os dias às 08:00 para ir para a escola e que, em princípio, tem praias menos povoadas do que o Algarve”.
“O que não é muito compreensível para as crianças é que se temos internet, e o céu deve ser muito mais evoluído, porque é que o avô ou a avó quando chegam lá não enviam uma mensagem a dizer ‘cheguei’ e não comunicam mais vezes”, acrescentou.
O docente da Universidade de Coimbra e do Instituto Superior de Psicologia Aplicada disse também achar “ternurenta a ideia de que o avô chegou ao céu, acendeu uma luz e aquela passa a ser a janela do céu cá para baixo”, através da qual o pode cumprimentar todas as noites.
No entanto, referiu já ter perdido a conta ao número de crianças que, quando andam de avião pela primeira vez, “se confrontam que o céu pode ser, porventura, uma publicidade enganosa”.
Segundo Eduardo Sá, muitos pais, “na ânsia de almofadar o sofrimento”, retiram de casa as fotografias de quem morreu, fazendo “uma espécie de branqueamento de objetos pessoais”.
“Acho o contrário. Quanto mais nos confrontamos com a perda mais dói e mais crescemos com ela”, frisou.
Na sua opinião, “as pessoas saudáveis, perante uma perda, ficam sempre estúpidas, ficam em choque”, não pensando e até parecendo nem sentir.
“As crianças perante uma perda ficam muito apatetadas. E as crianças saudáveis às vezes ficam numa desinibição que faz com que os pais se enfureçam, porque chegam à conclusão de que talvez elas não tenham sentimento”, contou.
O psicólogo explicou que, “quando uma perda dói de forma insuportável, as crianças ficam tão em choque que entram mais ou menos em piloto automático”.
“Até tiram melhores notas se for preciso. E até são mais irrepreensíveis no seu comportamento de todos os dias. A mim preocupa-me isso”, admitiu.
Eduardo Sá considerou que as crianças fazem isso por dois motivos: porque “a dor dói demais” e porque “se apercebem de que os pais estão a sofrer muito e fazem os possíveis e os impossíveis para os acarinhar, portando-se bem”.