Como fazer o desmame após os 2 anos de idade?
O homem é o único mamífero em que o desmame (aqui definido como a cessação do aleitamento materno) não é primariamente determinado por fatores genéticos e instinto, sendo fortemente influenciado por fatores socioculturais.
Hoje, ao contrário do que ocorreu por pelo menos dois milhões de anos, ao longo da evolução da espécie humana, a mulher opta (ou não) pela amamentação e, influenciada por múltiplos fatores, decide por quanto tempo vai (ou pode) amamentar.
Muitas vezes, as preferências culturais (não amamentação, introdução precoce de outros alimentos na dieta da criança, amamentação de curta duração) entram em conflito com a expectativa da espécie. Algumas consequências dessa divergência já puderam ser observadas, como desnutrição e alta mortalidade infantis, sobretudo em áreas menos desenvolvidas.
Porém, as consequências a longo prazo ainda não são totalmente conhecidas, já que transformações genéticas não ocorrem com a rapidez com que podem ocorrer mudanças de hábitos. Começam a ser mostradas evidências de que o não amamentar segundo as expectativas da espécie pode ter repercussões negativas ao longo da vida dos indivíduos.
Assim, a não amamentação ou amamentação sub-ótima pode favorecer o aparecimento de doenças alérgicas, diversas doenças do sistema imunológico, alguns tipos de cânceres, obesidade, diabete e doenças cardiovasculares, além de interferir negativamente no desenvolvimento orofacial.
Provavelmente, com o aparecimento de novas pesquisas nessa área, outros males serão relacionados com os hábitos “modernos” de alimentação infantil, mas alguns aspectos dificilmente podem ser quantificados, especialmente os relacionados com a psique humana.
Atualmente, em especial nas sociedades ocidentais, a amamentação é vista primordialmente como uma forma de alimentar a criança, sob o controle total dos adultos.
Assim, perdeu-se a perceção da amamentação como um processo mais amplo, complexo, envolvendo intimamente duas pessoas e com repercussão na saúde física e no desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, além de repercussões para a saúde física e psíquica da mãe.
Hoje, em muitas culturas “modernas”, a amamentação prolongada (cujo conceito varia de acordo com a “convenção” da época e do local) frequentemente é vista como um distúrbio inter-relacional entre mãe e bebê.
Perdeu-se a noção de que o desmame não é um evento e sim um processo, que faz parte da evolução da mulher como mãe e do desenvolvimento da criança, assim como sentar, andar, correr, falar.
Nesta lógica, assim como nenhuma criança começa a andar antes de estar pronta, nenhuma criança deveria ser desmamada antes de atingir a maturidade para tal.
Em harmonia com esta linha de pensamento, Dr. William Sears, um antigo pediatra, recomendava “Não limite a duração da amamentação a um período pré-determinado. Siga os sinais do bebê. A vida é uma série de desmames, do útero, do seio, de casa para a escola, da escola para o trabalho. Quando uma criança é forçada a entrar em um estágio antes de estar pronta, corre o risco de afetar o seu desenvolvimento emocional”.
Essas palavras sábias podem ter pouco respaldo em sociedades individualistas, que tendem a acelerar o processo de independência do ser humano, substituindo o seio por métodos de autoconsolo como chupetas, paninhos, mantinhas, ursinhos, etc..
Segundo diversas teorias, o período natural de amamentação para a espécie humana seria de 2,5 a sete anos. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde recomenda aleitamento materno por dois anos ou mais, sendo exclusivo nos primeiros seis meses.
Apesar dessa recomendação, muito poucas mulheres no Brasil amamentam por mais de dois anos. As razões para a não amamentação prolongada variam desde dificuldade em conciliar a amamentação com outras atividades, até crença de que aleitamento materno além do primeiro ano é danoso para a criança sob o ponto de vista psicológico.
Uma parcela de mães, apesar de demonstrar desejo em continuar a amamentação, sente-se pressionada a desmamar por profissionais de saúde, seus maridos, parentes, vizinhos e amigos.
Pois, para a manutenção do paradigma que sustenta a afirmação de que amamentação prolongada não é natural, foi necessário criar vários mitos tais como o de que uma criança jamais desmama por si própria, que a amamentação prolongada é um sinal de problema sexual ou necessidade materna e não da criança e que a criança que mama fica muito dependente.
Algumas mães, de fato, desmamam para promover a independência da criança. No entanto, é importante lembrar que o desmame provavelmente não vai mudar a personalidade da criança. Além disso, o desmame forçado pode gerar insegurança na criança, o que dificulta o processo de independência.
O desmame pode ser agrupado em quatro categorias básicas: abrupto, planejado ou gradual, parcial e natural.
Sob a ótica de que o desmame é um processo de desenvolvimento da criança, parece razoável afirmar que o ideal seria que ele ocorresse naturalmente, na medida em que a criança vai adquirindo competências para tal.
No desmame natural a criança se auto-desmama, o que pode ocorrer em diferentes idades, em média entre dois e quatro anos e raramente antes de um ano. Costuma ser gradual, mas às vezes pode ser súbito, como por exemplo em uma nova gravidez da mãe (a criança pode estranhar o gosto do leite, que se altera, e o volume, que diminui).
A mãe também participa ativamente no processo, sugerindo passos quando a criança estiver pronta para aceitá-los e impondo limites adequados à idade. O Quadro 1 apresenta os sinais indicativos de que criança pode estar pronta para iniciar o desmame:
Quadro 1 – Sinais sugestivos de que a criança está madura para o desmame
- Idade maior que um ano.
- Menos interesse nas mamadas.
- Aceita variedade de outros alimentos.
- É segura na sua relação com a mãe.
- Aceita outras formas de consolo.
- Aceita não ser amamentada em certas ocasiões e locais.
- Às vezes dorme sem mamar no peito.
- Mostra pouca ansiedade quando encorajada a não amamentar.
- Às vezes prefere brincar ou fazer outra atividade com a mãe ao invés de mamar.
É importante que a mãe não confunda o auto-desmame natural com a chamada “greve de amamentação” do bebê.
Esta ocorre principalmente em crianças menores de um ano, é de início súbito e inesperado, a criança parece insatisfeita e em geral é possível identificar uma causa: doença, dentição, diminuição do volume ou sabor do leite, estresse e excesso de mamadeira ou chupeta. Essa condição usualmente não dura mais que 2-4 dias.
Algumas vantagens do desmame natural encontram-se no Quadro 2:
Quadro 2. Vantagens do desmame natural
- Transição tranquila, menos estressante para a mãe e a criança.
- Preenche as necessidades da criança até elas estarem maduras para o desmame.
- Fortalece a relação mãe-filho.
- Ajuda a mãe a ser menos ansiosa com relação aos estágios de desenvolvimento de seu filho.
- O desmame abrupto é desencorajado, pois se a criança não está pronta, ela pode se sentir rejeitada pela mãe, gerando insegurança e muitas vezes rebeldia.
Na mãe, o desmame abrupto pode precipitar ingurgitamento mamário, bloqueio de ducto lactífero e mastite, além de tristeza ou depressão, por luto pela perda da amamentação ou por mudanças hormonais.
Muitas vezes a mulher se depara com a situação de querer ou ter que desmamar antes de a criança estar pronta. Nesses casos, o profissional de saúde, em especial o pediatra, deve respeitar o desejo da mãe e ajudá-la nesse processo.
O quadro 3 apresenta os fatores que facilitam o encorajamento do bebê para o desmame:
Quadro 3. Encorajando o bebê a desmamar: facilitadores
- Mãe segura de que quer (ou deve) desmamar.
- Entendimento da mãe de que o processo pode ser lento e demandar energia, tanto maior quanto menos pronta estiver a criança.
- Flexibilidade, pois o curso é imprevisível.
- Paciência (dar tempo à criança) e compreensão.
- Suporte e atenção adicionais à criança – mãe não deve se afastar neste período.
- Ausência de outras mudanças ocorrendo: Ex.: controle dos esfíncteres.
- Sempre que possível, desmame gradual, retirando uma mamada do dia a cada 1-2 semanas.
A técnica utilizada para fazer a criança desmamar varia de acordo com a idade da mesma. Se a criança for maior, o desmame pode ser planejado com ela. Pode-se propor uma data, oferecer uma recompensa e até mesmo uma festa.
A mãe pode começar não oferecendo o seio, mas também não recusando. Pode também encurtar as mamadas e adiá-las.
Mamadas podem ser suprimidas distraindo a criança com brincadeiras, chamando amiguinhos, entretendo a criança com algo que lhe prenda a atenção.
A participação do pai no processo, sempre que possível, é importante. A mãe pode também evitar certas atitudes que estimulam a criança a mamar, por exemplo, não sentar na poltrona em que costuma amamentar.
Algumas vezes, o desmame forçado gera tanta ansiedade na mãe e no bebê, que é preferível adiar um pouco mais o processo, se possível. A mãe pode, também, optar por restringir as mamadas a certos horários e locais.
As mulheres devem estar preparadas para as mudanças físicas e emocionais que o desmame pode desencadear, tais como: mudança de tamanho das mamas, mudança de peso e sentimentos diversos tais como alívio, paz, tristeza, depressão, culpa e arrependimento.
Já se avançou muito na valorização do aleitamento materno nos últimos tempos. A recomendação da duração da amamentação passou de 10 meses na década de 30 para dois anos ou mais nos dias de hoje.
Atualmente, fala-se em desmame natural como a forma ideal de desmame, sem especificar uma idade mínima ou máxima para que esse processo ocorra. Apesar desse avanço ainda estamos longe de encararmos o desmame como um marco do desenvolvimento da criança.
Para chegarmos a este estágio, faz-se necessário entender e enfrentar as circunstâncias que, segundo Souza e Almeida, “ultrapassam a natureza e desafiam a cultura e a sociedade”.
Fonte: Elsa Regina Justo Giugliani, Pediatra, professora da Faculdade de Medicina da UFRGS, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da SBP, Especialista em Aleitamento Materno pelo IBLCE (International Board of Lactation Consultant Examiners). Artigo publicado no site da Sociedade Brasileira de Pediatria.