Com o início das aulas vêm as preocupações com as notas, com as amizades e com os valores que se transmite aos filhos.
O pediatra Mário Cordeiro, que acaba de lançar o livro “Educar com Amor”, responde a 21 perguntas do i que ajudam a superar as provas por que passam os pais durante o ano lectivo.
E outras que podem acontecer pela primeira vez nos próximos meses, como a sua filha dizer-lhe que já não é virgem ou apanhar o seu filho a fumar.
Com que antecedência devo começar a disciplinar os meus filhos para o ritmo da escola?
O processo de integração social e de aquisição de ritmos quotidianos mais estruturados deve ser iniciado “desde sempre”, embora a entrada no jardim-de-infância e, depois, no 1.º ciclo sejam momentos cruciais em que se dá um upgrading destes ritmos, entrando em novos paradigmas. É bom reservar uma semana para fazer um reset e adaptar aos novos horários, dado que, em tempo de aulas, o despertador não se fará rogado em “berrar” às sete da manhã…
Chego tarde e queria ter tempo para jantar com os meus filhos. A hora de ir para a cama é sagrada?
Depende da idade deles, mas se há, sobretudo em tempo letivo, que estabelecer rotinas – não só por razões de descanso, mas para securização e estruturação do quotidiano – é preciso tempo com os pais. Se isso significar sacrificar algum tempo de sono, não será por aí que “o gato vai às filhoses”… desde que esse tempo seja mesmo de interação entre pais e filhos, e não cada um no seu computador ou ecrã de televisão…
Convém estar a par da matéria dada na escola, do género ir ler os manuais?
Claro que sim. Até porque as perguntas avulsas, feitas ao jantar, em ambiente descontraído, ajudam a interiorizar a matéria. Os pais não devem estudar com os filhos nem estudar pelos filhos, mas sim rever o resultado do estudo com os filhos, o que é radicalmente diferente.
Devo recompensá-los pelas notas? E se o meu filho tiver sempre cincos?
Elogiar faz parte do mostrar apreço e manter uma boa auto-estima, para lá de ser uma questão de mérito. Todavia, dar prémios por aquilo que se consegue, a não ser que ultrapasse os objetivos, não me parece bem, a não ser uma coisa simbólica no fim do ano. Sou contra os quadros de excelência, pois emitem juízos de valor sobre os alunos, num espírito de competição e nada saudável, ainda por cima baseando-se em meras competências académicas.
Em quantas actividades extracurriculares devo inscrever o meu filho? E qual é a melhor?
Qualquer atividade de que ele goste, exequível nos planos financeiros e logísticos, nas áreas da cultura/arte e do desporto/dança. O limite é o bom senso. Todavia, creio que mais de duas (a não ser as que estão incluídas nas AEC e ATL) é demasiado. Começando em setembro, não se deve interromper nem mudar antes do ano seguinte, salvo casos de força maior, pois a aprendizagem é um processo que até pode ser maçador no início, mas do qual se verão progressivamente os resultados.
Fiz ballet e o meu marido andou nos escuteiros. Adorámos, mas eles detestam. Insistimos?
Não. Os filhos não são o “livro dos pais” em segunda edição, com capa nova e o novo acordo ortográfico… são o “livro deles”, com muitos pedaços “plagiados” dos pais, mas o deles. Se não gostam, escolhem outra coisa, e os pais, mesmo com pena, terão de respeitar e não mostrar desilusão.
Qual a melhor forma de os castigar quando necessário?
Responsabilizar, conversar, fazer ver o que esteve mal e, se necessário, privar dos privilégios, como televisão, iPads e iPods, smartphones, etc., ou saídas.
O irmão/irmã não me dá chatices, mas este tem negativas e queixas dos professores. Às vezes, não resisto a compará-los… é negativo?
Cada um é um. E o facto de serem únicos, insubstituíveis e irrepetíveis obriga a uma coisa um bocado paradoxal e esdrúxula, mas que deve ser cultivada: os pais de um não são os pais do outro, “mesmo que tenham o mesmo número de cartão de cidadão”! A parentalidade tem de ser diferente de filho para filho e comparar é criar inimizades fraternais.
Tenho mesmo de ir às reuniões de pais e conhecer os professores?
Convém. Os pais têm o dever de intervir na escola, respeitando as normas, claro. Devem ser ativos e criar na escola um espaço de cidadania que extravasa os que lá trabalham e estudam.
A minha experiência na direção da associação de pais da EB1 São João de Deus do Agrupamento Dona Filipa de Lencastre, em Lisboa, uma escola pública, e o que pudemos fazer com a colaboração de muitos pais, fez a diferença nas AEC, ATL, vários eventos, atividades nas férias e uma enorme oferta de actividades desportivas, culturais e artísticas. Do tiro com arco ao xadrez, da filosofia ao jornalismo, da escrita criativa ao hip-hop, entre muitas outras, para lá dos “crazy days” que envolveram as crianças em temas como alimentação, danças, blues e jazz, sexualidade, Fernando Pessoa… enfim, até um livro bianual foi feito.
Tudo é possível quando há uma equipa, vontade, colaboração e espírito lúdico… e boas relações com as direções escolares, que não devem ver nos pais uma ameaça, mas sim parceiros. Nas reuniões de pais, também era bom que se discutissem mais aspetos sistémicos e globais do que se “o Zezinho só comeu meia banana”.
Devemos obrigá-los a estudar diariamente? Como se ensina a estudar?
Convém estudar diariamente, mas não no contexto de TPC. Reler e rever a matéria dada nesse dia, em estilo de leitura “soft”, para que as coisas ensinadas às 8h30 da manhã voltem à superfície após um dia cansativo.
Se há testes, convém fazer um planeamento do estudo e, nos dois dias antes, revisões nas quais os pais podem fazer perguntas “marotas”, sem que seja um julgamento, mas sim uma preparação para o teste. Ensina-se a estudar ensinando-os a ser metódicos, organizados, a pensar em termos de prioridades e a saberem que, se forem assim, poderão fazer muito mais coisas nas 24 horas do dia.
Ele/ela diz que os colegas têm todos telemóvel, mas acho que ainda é cedo. Como lhe explico isto? A partir de que idade é normal ceder?
Deve ter-se telemóvel ou o que seja quando se precisa. Nem antes nem depois. Os “outros” terem não é razão. Explique-lhe precisamente isso e não ceda se acha que não deve dar. Os pais são pais e têm o direito e o dever de educar e, sobretudo, mostrar coerência entre o que apregoam e o que fazem. É esse o maior legado que deixamos aos filhos: coerência e consistência, e não Blackberry e iPods.
O vício da net, jogos e telemóvel existe? Vejo os outros miúdos também agarrados aos aparelhos. Como sei que o meu filho precisa de ajuda?
Existe uma dependência, com síndromas de abstinência que causam irritação e mal-estar físico e psicológico. Pouco interessa “os outros miúdos” – a ética não cede a modas. Se os pais acham errado qualquer comportamento que os filhos estão a ter, designadamente esses, têm de intervir e – de preferência a bem, se necessário for impondo-se – evitar a todo o custo que o tenham. Oferecer consolas e jogos, não controlar o uso e depois queixar-se é uma atitude infantil… dos adultos.
Quando é que estamos a ajudar demais nos trabalhos de casa?
Quando somos nós a fazer os trabalhos e eles quase a brincar à nossa frente… É preciso que eles aprendam com os erros e os erros só se cometem fazendo.
O meu filho no 6.º ano pede para ir sozinho com os amigos ao centro comercial. Deixo?
É difícil dizer. Depende das horas, do local, do tipo de centro, etc.. Mas assim de uma maneira generalista, não creio que seja muito sensato. Pelo menos, perguntar-lhe-ia o que pretendiam fazer e porquê irem sozinhos, se iam comprar alguma coisa e com que dinheiro, etc.. Mas, repito, depende do contexto e das companhias.
Ele faz os trabalhos a pesquisar na net e acho que devia ir consultar livros numa biblioteca. Estou a ser antiquado?
Depende. Para investigação, a internet pode chegar e é muito prática porque permite consultar rapidamente várias fontes, mas tendo o cuidado de aceder a sítios credíveis e, para isso, pais e professores podem dar orientações para que a informação obtida seja a melhor. Outra coisa é a estimulação do livro e da leitura, que deve ser feita através do contacto com o papel, cheirando-o, mexendo-lhe, porque não se pode esquecer que os sentidos mais apurados do ser humano são o tato e o olfato.
Os livros são um repositório da memória, representam um legado de alguém e, portanto, da humanidade toda, e ao mesmo tempo são uma parte do tempo, tempo esse que temos de agarrar e fruir. Não vejo que se possam ler romances ou poesia sem ter um livro nas mãos. Quer dizer, poder pode mas, como diz o anúncio, “não era a mesma coisa”.
Nunca fui de dormir em casa de amigos, mas ele pede para ir. Não é igual eu ir buscá-lo ao final do dia?
Depende da idade, mas a partir dos 4, 5 anos, ir dormir fora faz parte do processo de autonomia e de afirmação desta. Estas atitudes são saudáveis, e quem sofre mais, em muitos casos, são os pais… A autonomia faz-se em dois sentidos e não apenas num, e os pais, com frequência, gerem mal este processo, sentindo culpa, lutos e sentimentos de tristeza.
Quando devo suspeitar se o meu filho sofre bullying?
Se o seu filho começa a não gostar de ir à escola, se desinveste subitamente nos estudos, se anda “macambúzio”, não fala, mete-se no quarto, dorme mal, não quer comer, anda triste, não diz piadas nem ri como antes… porventura está deprimido e uma das causas dessa depressão pode ser estar a ser vítima de bullying. Fale com ele, sem pressionar, mas mostrando que o escuta e que ninguém merece ser vítima de violência.
O meu filho está no 9.º ano, é respondão, tem negativas e fica fechado no quarto. Devo levá-lo ao psicólogo?
Deve falar com ele numa conversa franca e amiga, mas nunca perdendo de vista que ele é o filho e que o leitor é o pai ou a mãe. E se não resultar, porventura ele precisará de um interlocutor mais distante mas especializado, como um psicólogo.
Encontrei preservativos no quarto da minha filha de 15 anos. O que faço? E se ela me disser que já não é virgem?
Um dia, as coisas acontecem mas, como uma vez me disse um chefe da polícia de Oxford, “se encontrar papel de prata no quarto do seu filho, o mais provável é que seja de uma tablete de chocolate, e não de estar a fumar heroína”. Fale com ela e pense sempre que é melhor uma pessoa informada e bem informada, em termos científicos, do que desinformada, ou seja, esta última pode cair mais facilmente num alçapão. E se viu preservativos, pelo menos sabe que, se ela está a ter relações com alguém, é cautelosa, o que já é muito bom.
Quando devo suspeitar que algo está a correr mal na educação que dou ao meu filho?
Os pais querem ser perfeitos, mas ninguém o é e a perfeição deve ser uma enorme maçadoria. As relações interpessoais são o que são e funcionam num sentido bilateral. Neste caso, não dependem só dos pais, mas também dos filhos.
Os filhos não são o que nós queremos, não substituem o que falhámos, não repetem os nossos êxitos. São eles e o percurso de vida deles… é deles. Podemos tentar influenciar, dar valores, normas, estabelecer limites, mostrar (e dizer vezes sem conta) que os amamos, mas eles seguirão o seu caminho. E se, por algum acaso (raro), eles se desviarem muito da rota que pensámos para eles, temos é de ver se fizemos o que devíamos. Se sim, devemos estar satisfeitos, ainda que tenham optado por outros caminhos – essa liberdade faz parte da vida. E mostra uma boa educação quando as escolhas são feitas com lucidez e determinação, e quando correspondem a pensar pela sua própria cabeça e a escolhas inteligentes, pensadas e maduras.
Fumo desde a adolescência e apanho o meu filho/a de 15 anos a fumar. O que faço? E se ele me disser que eu também fumo?
Alguns pais fumadores acham que têm menos autoridade para dizer aos filhos adolescentes para não fumarem. Não concordo. Se assumirem que fumar é bom e até nos gestos o fizerem com displicência e jactância, então sim, serão maus modelos e o que possam dizer cai em saco roto.
Se, pelo contrário, como seres humanos que são, assumirem a sua fraqueza, como se deixaram levar para uma toxicodependência – chamemos as coisas pelo nome e não com sofismas, tipo “hábitos tabágicos” – , e que, por amarem os filhos, querem que eles não caiam nessa, mesmo que experimentem mas só no contexto de um comportamento de ensaio, então terão autoridade, quiçá redobrada. Não serão um exemplo de comportamento, mas um exemplo de retidão moral, o que é muito importante.