Oh não, vem aí o Pai Natal!
Até quando deve uma criança acreditar no Pai Natal? E quando descobrem a verdade, quais as reações que os pais podem esperar? Com a época festiva a bater à porta, há perguntas que precisam de respostas.
O imaginário infantil é uma ferramenta poderosa que potencia a curiosidade e a criatividade dos mais pequenos, mas é preciso saber lidar com ele.
Por esse motivo, o Observador falou com a psicóloga Inês Afonso Marques, coordenadora da Mindkiddo (equipa infanto-juvenil) na Oficina de Psicologia, e com o pediatra Eduardo Sá para ajudar a dissipar algumas dúvidas sobre como pais e filhos devem lidar com a ideia do Pai Natal.
O resultado é um pequeno guia para que tenha um Natal (mais) feliz.
As crianças são mais felizes por acreditarem no Pai Natal?
“Não creio que seja condição fundamental para a criança ser mais feliz”, avança Inês Afonso Marques. A psicóloga clínica abre o leque de opções e explica que há famílias em que o Pai Natal não entra. Em vez dele, há pais que preferem focar-se em valores mais abstratos, como partilha e solidariedade, ou até fomentar a imagem do menino Jesus. Mas uma coisa é certa: falar em Pai Natal pode ser uma forma de a criança viver a época natalícia com mais magia, sendo que a criatividade, o faz de conta e a imaginação são úteis para despertar nas crianças a curiosidade e a resiliência.
Eduardo Sá prefere responder um “mais ou menos” e garante que as crianças fingem acreditar que o Pai natal é uma verdade irrefutável. E porquê? “Porque, muitas vezes, o Natal é o único momento num ano em que os pais se deixam de histórias enfadonhas, ganham brilho nos olhos e entram na história”. Mas faz uma ressalva: é preciso que os pais não falem da personagem natalícia enquanto algo palpável e material, mas sim como uma “fantástica metáfora”. No fundo, o que o Pai Natal representa pode tornar as crianças mais felizes.
A partir de que idade é aconselhável começar a falar do Pai Natal?
Inês Afonso Marques afirma que, para tal, é preciso ter em conta o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, pelo que antes dos “dois, dois anos e meio” a criança não tem capacidade de acompanhar e integrar a vivência da história em questão. E relembra: o Pai Natal deve estar associado à bondade, porque dá presentes sem receber nada em troca, e constitui a oportunidade de a criança se desenvolver emocionalmente.
E até quando deve a criança acreditar?
Até “querer acreditar”, diz Inês Marques. Os mais novos são capazes de dar sinais de que estão preparados para viver o Natal sem a personagem em questão, embora tal dependa da idade e da própria criança. “Importa estar atento ao nível de desenvolvimento e à sua capacidade para compreender e diferenciar a realidade da fantasia”, isto é, perceber se é suficientemente madura para tal. Generalizando, por volta do início da idade escolar, entre os seis e os sete anos, muitas crianças vão deixar de acreditar no Pai natal.
Dizer que o Pai Natal existe é mentir?
Se o mito do Pai Natal fosse encarado, mais tarde, como uma mentira, a figura não perduraria no tempo, passando de geração em geração e de pais para filhos, clarifica Inês Afonso Marques. “Crianças pequenas, sem grande interferência dos adultos, acreditam que os seus super-heróis são reais: o Ruca, a Princesa Sofia, as Tartarugas Ninja. Os pais que alimentam e ‘personalizam’ estes personagens estão a mentir?”. A pergunta é retórica.
“O Pai Natal não existe!”. Como podem as crianças reagir quando descobrem a verdade?
Há crianças que se sentem profundamente tristes, explica a profissional da Oficina de Psicologia. Magoadas e traídas, inclusive. “Há aquelas que verbalizam mesmo, no momento, ‘mentiste-me. Nunca mais confio em ti’. Outras assumem a verdade com grande naturalidade, surpreendendo os pais”. Regra geral, os mais novos reagem com “surpresa, alegria e bom-humor”. E, embora alguns se sintam momentaneamente zangados, isso não significa que fiquem traumatizados.
Inês Marques vai mais longe e explica ainda que alimentar o imaginário em questão é como alimentar o da Fada dos Dentes ou o do Coelhinho da Páscoa, no sentido em que os adultos criam personagens que povoam o imaginário infantil, o qual permite às crianças desenvolver competências como a empatia, resolução de problemas, criatividade e linguagem.
E se uma criança acreditar no Pai Natal mais tempo do que deve? Quais as implicações?
Nenhumas, assegura Eduardo Sá. E acrescenta: “Preocupa-me que, ao dizermos que o Pai Natal não existe, estejamos a confundir uma parábola com um exercício de desinfestação de fantasia”. Já a psicóloga assegura que cada criança vive a fantasia de forma diferente, pelo que não existe um momento a partir do qual deixa de ser aceitável acreditar na personagem festiva. “Algumas crianças assumem a fantasia de modo literal, havendo uma fronteira difusa entre imaginação e realidade. Esta fronteira torna-se mais clara à medida que a criança cresce. Assim, diria que não há implicações porque não existe um tempo normal até ao qual se pode acreditar no Pai Natal”.
Como escrever uma carta ao Pai Natal?
O ato é tido como um momento de partilha e reflexão entre pais e filhos, sendo que deve ser a criança a escrevê-la caso já seja capaz. A carta tem o poder de reforçar a fantasia e o imaginário dos mais novos, além de ser uma oportunidade para fomentar um conjunto de valores e ideias, diz a psicóloga infantil – desde partilha, necessidade de tomar decisões, saber lidar com a frustração e a importância de fazer escolhas. “É, muitas vezes, um bom momento para ajudar a criança a refletir sobre si, sobre aquilo que é bom, sobre o seu comportamento e sobre os seus desejos, partindo da noção de que o Pai Natal presenteia os meninos que se portaram bem ao longo do ano”.