Apesar de ser algo comum nas culturas ocidentais, a depressão pós-parto é praticamente inexistente em muitos países não industrializados. Porquê esta diferença?
Para ter uma resposta, é necessário saber como é encarado o pós-parto em certas culturas não-industrializadas e de rendimentos baixos. Embora possamos à partida assumir que nos países industrializados e ricos, o pós-parto é melhor, poderá não ser bem assim. Uma equipa de investigadores descobriu há várias décadas que a depressão pós-parto depende da cultura onde nos inserimos.
Para melhor perceber isto, é relevante saber como é o pós-parto em certas culturas.
Depressão pós-parto: depende da cultura
A depressão pós-parto é diferente dos chamados “baby- blues”. Os “baby-blues” apresentam sintomas semelhantes aos da depressão. Nos primeiros dias após nascimento do bebé, a mãe pode sentir melancolia, chorar facilmente e ter reações muito emotivas. Contudo, esta forma de sentir e estar costuma desaparecer rapidamente, à medida que as alterações hormonais provocadas pelo parto e gestação voltam a equilibrar-se.
Por outro lado, a depressão pós-parto é uma doença séria e deve ser encarada como tal. A sintomatologia é muito semelhante à da depressão. Normalmente os sintomas começam a desenvolver-se durante o primeiro mês após o nascimento do bebé. Só que estes sintomas tendem a aumentar e não a diminuir com o passar do tempo. As alterações de humor e negatividade são os primeiros fatores a ter em atenção.
Nos países industrializados, os “baby-blues” afetam entre 50% e 85% das novas mães. Por outro lado, a depressão pós-parto afeta entre 15% a 25% das mães recentes nesses países. São percentagens elevadas e que contrastam com os valores apurados em certos países não -industrializados.
Os investigadores G. Stern e L. Kruckman conduziram um estudo sobre o pós-parto em países não industrializados que revelou resultados surpreendentes.
Foi apurado que em certos países em desenvolvimento, o pós-parto e “baby-blues” são praticamente inexistentes.
Fica agora a questão. O que fazem esses países de diferente para terem resultados tão positivos?
O que faz a diferença?
Ao que parece, tudo tem a ver com a atenção que é dada à nova mãe. Essa atenção vem na forma de ajuda e proteção à nova mãe. Pelo que apuraram os investigadores, em certos países em desenvolvimento existem estruturas sociais que não deixam as novas mães desamparadas no pós -parto e lhes fornecem todas as condições necessárias para recuperarem do parto.
As comparações com as sociedades industrializadas são unicamente genéricas, pois sabemos que há muitíssimas exceções.
6 medidas de proteção no pós-parto em certas culturas
1. Período pós-parto distinto
Em certos países não-industrializados o período pós-parto é considerado distinto da vida normal. Durante este período é suposto a nova mãe recuperar do parto. Para tal, esta mãe tem uma atividade muito limitada durante este período especial. São as mulheres da sua família que tratam dela. Durante este período as mulheres mais experientes também a ajudam e ensinam a cuidar do seu recém-nascido.
Por outro lado, nos países industrializados a mãe durante o puerpério recebe normalmente muito pouca atenção. Todas as atenções são concentradas no recém-nascido. Por exemplo, a consulta de puerpério acontece cerca de seis semanas após o parto.
2. Medidas protetoras que refletem a vulnerabilidade da nova mãe
Durante o período de pós-parto, as novas mães são consideradas como estando especialmente vulneráveis nesses mesmos países. Por exemplo, nas partes rurais da Guatemala e México existem rituais de banho, lavagem do cabelo, massagem, enfaixamento da barriga da nova mãe e outros cuidados que refletem esse estado de vulnerabilidade. Estes rituais servem ainda para distinguir o período de pós-parto de outros períodos da vida da mulher.
3. Descanso obrigatório
Em certas culturas não-ocidentais, o pós-parto é considerado como um período de descanso e de recuperação de forças para a nova mãe. Os rituais de cuidados de higiene oferecidos à mãe mencionados no ponto 2. são um reflexo disso. Durante este período o único trabalho da mãe é cuidar do bebé.
Para contrastar, nos países industrializados, a nova mãe recebe alta hospitalar cerca de 48 horas após um parto vaginal e um pouco mais tempo para um parto por cesariana. Ao voltar a casa, espera-se que a nova mãe cuide do bebé, receba visitas, participe nas tarefas domésticas, enquanto recupera do parto.
4. Afastamento social temporário
A vulnerabilidade assumida da nova mãe está associada ainda a um período de afastamento social. No Punjab, norte da Índia, por exemplo, as novas mães e bebés são isolados de toda a gente, exceto das mulheres da família e parteiras, durante 5 dias. Este afastamento social temporário é considerado como promotor da amamentação e de limitação das atividades normais da mulher.
Nas culturas ocidentais, incluindo Portugal, as novas mães costumam ser logo bombardeadas de visitas na maternidade. Quando chegam a casa da maternidade, normalmente continuam a receber visitas para verem o bebé.
4. Ajuda com tarefas e cuidados ao recém-nascido
Durante o período de descanso obrigatório e isolamento, as novas mães são dispensadas das suas tarefas habituais nessas culturas. Os cuidados aos filhos mais velhos e as tarefas domésticas são asseguradas por outras pessoas. Algumas mulheres voltam mesmo à casa de família de o origem para poderem receber toda essa ajuda funcional e assim descansar e recuperar.
Nas sociedades ocidentais, após o pai voltar ao trabalho quando termina a licença de paternidade, muitas mães vêem-se sozinhas, a lutar contra os “baby-blues”, enquanto aprendem o seu novo papel e tentam recuperar do parto.
5. Reconhecimento social do novo papel e estado de mãe
Finalmente, nos países estudados foi verificado que se dá muita atenção à nova mãe. Na China e Nepal, por exemplo, presta-se muito pouca atenção à gravidez. Pelo contrário, todos os cuidados são focados na mãe após o parto. Descreve-se isto como uma espécie de cuidados maternais à nova mãe. O estatuto de nova mãe é reconhecido através de rituais e presentes. Além de rituais de cuidados pessoais, vê-se ainda rituais de apresentação da nova mãe e bebé ao resto da comunidade. Nestes casos, mãe e bebé são saudados com música que só se canta aos guerreiros vindos da guerra.
E nos países industrializados…todos os cuidados e atenções recebidos na gravidez desaparecem após o nascimento do bebé. A mãe é normalmente deixada um pouco à deriva, tendo que se “desenrascar” sozinha. Mesmo que haja apoio na comunidade, muitas vezes essa mãe não sabe que tal existe.
Fontes: Estudo de Stern G, Kruckman L. Multi-disciplinary perspectives on post-partum depression: an anthropological critique. Soc Sci Med. 1983; Estudo de Rena Bina (2008) The Impact of Cultural Factors Upon Postpartum Depression: A Literature Review, Health Care for Women International, 29:6, 568-592