Nem todo o tempo que as crianças passam em frente aos ecrãs dos aparelhos eletrónicos constitui um fator negativo no desempenho escolar, descobriu uma equipa de cientistas.
Uma análise a 58 estudos de 23 diferentes países permitiu concluir que apenas o tempo despendido a ver televisão e jogar vídeo-jogos impactam negativamente o desenvolvimento escolar de uma criança.
Em média, uma criança joga cerca de 40 minutos por dia e vê entre cerca de duas a três horas de televisão diariamente. No entanto, cerca de um terço das crianças e adolescentes passam mais de quatro horas por dia em frente aos ecrãs, sendo esses valores mais evidentes nos rapazes do que nas raparigas.
Impacto da televisão e dos vídeo-jogos nas crianças
O estudo, publicado no jornal de artigos científicos JAMA Pediatrics, comparou os resultados académicos de 106 mil crianças e adolescentes com entre os 4 e os 18 anos de idade, com o tempo passado na internet, smartphones, a ver televisão, a jogar vídeo-jogos e a fazer outro uso dos ecrãs.
Contrariamente a uma investigação anterior, esta meta-análise não verificou a existência de uma ligação entre o tempo passado em frente ao ecrã e a performance da criança na escola.
No entanto, foi possível apurar que algumas atividades têm um maior impacto no percurso escolar do que outras. Ver televisão e jogar vídeo-jogos são duas atividades que se associaram a um rendimento académico mais baixo.
A televisão tem um grande impacto nas capacidades linguísticas e matemáticas nas crianças mais jovens. Contudo, de acordo com a equipa de investigadores, os resultados nos adolescentes mostraram-se piores à medida que as horas de visualização de televisão aumentava.
Investigações anteriores afirmaram que o tempo passado a ver televisão está a substituir o tempo que as crianças e/ou adolescentes têm para estudar, dormir, conviver e fazer exercício físico. Um estudo de 2014 demonstrou que o excesso de televisão reduz, nas crianças, a capacidade de atenção e de desenvolvimento de um pensamento claro e crítico. Simultaneamente, promove maus hábitos de alimentação e desencadeia problemas comportamentais.
Nesta meta-análise, os vídeo-jogos parecem ter um impacto notório no rendimento escolas dos adolescentes. Estes têm sido associados a um declínio da memória verbal e do sono reparador nas crianças em idade escolar. Não obstante, foi também comprovado que estes desenvolviam as capacidades motoras e as habilidades espaciais da criança.
Nas várias investigações que têm sido realizadas ao longo dos últimos anos, o tempo passado em frente ao ecrã tem sido relacionado com baixos rendimentos escolares bem como a variados distúrbios comportamentais.
Os autores deste estudo quiseram obter dados exatos sobre o tempo passado em tipo de aparelho eletrónico, bem como o tipo de interação que as crianças/adolescentes tinham com o mesmo. Assim, o objetivo final passava por analisar todas estas variáveis de forma a ajudar tanto os pais como os educadores a estabelecerem um plano de intervenção caso tal fosse necessário.
Ainda assim, o pediatra e autora das guidelines da Academia Americana de Pediatria (AAP) de 2016 sobre a utilização de aparelhos eletrónicos por crianças e adolescentes, Dr. Jenny Radesky , afirmou em declarações à CNN que é necessária mais pesquisa neste ramo.
“A maior limitação desta meta-análise é que os estudos examinados eram do início dos anos 80. A media digital já mudou muito desde então”, declarou.
“As crianças estão totalmente imersas na media digital durante todo o dia e são necessárias outras ferramentas de medição, tal como aplicações que nos dizem o que as crianças estão a fazer [em tempo real] nos seus aparelhos, de forma a medir concretamente as interações e reações com e à tecnologia”: explicou.
O que devem os pais fazer?
Para ajudar os pais a seguirem as orientações dadas pela AAP, a organização criou um planeador de media familiar online, no qual pode inserir a idade do seu filho e personalizar um plano, incluindo todas as atividades do seu dia-a-dia.
Interação com os aparelhos em bebés e crianças pequenas
Segundo a AAP, os bebés com menos de 18 meses de idade não devem ser exposto aos aparelhos eletrónicos, a não ser para conversar por vídeo com amigos ou familiares.
Os bebés precisam de interagir com os seus pais ou cuidadores e o seu ambiente.
Aliás, uma investigação descobriu que ter a televisão ligada na sala onde está com um bebé ou criança afeta de forma negativa a sua capacidade de brincar e interagir.
Assim que o bebé completa os dois anos de idade, consegue aprender palavras através de uma conversa com uma pessoa ao vivo ou em vídeo, ou mesmo em alguns ecrãs táteis e interativos. Os estudos mostram que para facilitar a capacidade da criança aprender através destes aparelhos é com os seus pais – quando assistem com os conteúdos com os seus filhos.
Interação de ecrãs e crianças em idade pré-escolar
As crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 5 anos podem beneficiar de programas de televisão que estejam direcionadas para a promoção das habilidades cognitivas da criança.
No entanto, a AAP alerta que muitas das aplicações no mercado designadas de didáticas não são concebidas com o contributo de especialistas em desenvolvimento, não representando por esse motivo um bem maior no que respeita ao desenvolvimento infantil.
Interação nas crianças maiores de seis anos
É importante definir limites do tempo de utilização dos aparelhos eletrónicos. Além disso, também é fulcral educar o seu filho sobre os diferentes tipos de conteúdo que pode encontrar na Internet.
A autora do estudo e pediatra Jenny Radesky sugere ainda aos pais não usarem o termo “perigos” quando estão a ensinar os filhos sobre as armadilhas da web, mas sim promover um ceticismo saudável através do ensino e da modelagem de papeis sobre desinformação e o poder persuasivo da Internet.
“Isso aplica-se a anúncios, ao que está aparecendo nos seus feeds de social media ou o que outras pessoas estão postando.
É igualmente importante ensiná-los sobre os hackers, trolls e pessoas que fingem ser alguém que não são, mas, ao mesmo tempo, também devem estar cientes de quando diferenças menores no design estão tentando mudar seu comportamento – design persuasivo recursos que os fazem permanecer mais tempo em dispositivos, postar mais uma coisa ou se sentirem obrigados a verificar as notificações”: conclui.
Assim sendo, é importante que os pais:
- Mantenham os níveis de atividade altos, certificando-se de que o tempo de visualização não substitui a qualidade do sono, o desporto e os bons hábitos alimentares.
- Continuar a assistir aos conteúdos com os filhos – os pais não devem deixar de assistir televisão ou jogar jogos com os filhos apenas porque estes estão a crescer. Se permanecerem conectados ao que o pequeno está a fazer, irão com certeza existir ótimos momentos de ensino e partilha.
- Sono de boa qualidade – é importante que os pais restrinjam a utilização dos dispositivos uma hora antes de dormir, porque todos precisam de algum tempo longe da luz azul e da interatividade dos ecrãs para criar um ambiente de calma que proporcione o sono. A luz azul dos ecrãs afeta a melatonina, a hormona do sono. Portanto, usar um dispositivo eletrónico antes de dormir irá fazer com que o seu filho demore mais tempo a adormecer e irá ter implicações na qualidade do seu sono.
- Horários e zonas sem aparelhos eletrónicos – outra dica do plano de media de família da AAP é criar zonas e horários sem ecrãs. Não permita que o seu filho recarregue o telemóvel ou computador no quarto, porque os toques das mensagens recebidas (e a luz) podem acordá-los constantemente. Mesmo estes pequenos despertares podem prejudicar a qualidade do sono.
Além disso, os estudos demonstram que as crianças são mais saudáveis e têm um melhor desempenho escolar quando existem tempo para as famílias conviverem, comendo juntas e conversando sobre o seu dia, por exemplo.
Em suma, não são os aparelhos eletrónicos que representam uma ameaça, mas sim o seu uso excesso.