Todos conhecemos este cenário. Passamos semanas, ou até meses, à procura do brinquedo perfeito. Acabamos sempre por sucumbir a mais um desejo de última hora (“Porque não? Afinal, é Natal!”), pois só queremos ver as nossas crianças felizes.
Mas, no dia de Natal, a montanha de presentes rapidamente se transforma numa enxurrada de papéis e fitas espalhadas pelo chão. A novidade dissipa-se à velocidade da luz e acabamos com os nossos filhos aborrecidos… numa casa cheia de brinquedos.
Natal como sinónimo de presentes
Para a maioria das crianças, o Natal tem apenas um significado: presentes, presentes e mais presentes!
“As crianças são incutidas desde cedo a escrever uma carta ao Pai Natal e, ao longo do ano, ouvimos «o Pai Natal só entrega presentes aos meninos que se portam bem» ou «Estás a portar-te mal, vou dizer ao Pai Natal para não te trazer presentes este ano». No fundo, estamos perante ameaças, que não são cumpridas, e que podem ter um grande impacto nos mais pequenos”, explica Mariana Coelho, Psicóloga Clínica e da Saúde.
Mas esta não é a realidade de todas as famílias. Ana Gama, empresária, e mãe de Beatriz (12 anos) e Margarida (9 anos), nunca quis ver o Natal como uma época consumista e o excesso de presentes rapidamente se tornou num problema a resolver já que as filhas fazem anos próximo do Natal. “Quando eram pequenas, não se apercebiam de onde vinham os presentes, portanto não oferecíamos nada. Mas entre familiares e amigos, recebiam sempre muita coisa.”
Depois de combinar com os amigos com filhos que não haveria troca de presentes, Ana começou a guardar alguns brinquedos para ir dando às filhas durante o ano. Mais tarde, “desviava” prendas de aniversário e de Natal que Beatriz e Margarida ainda não tinham visto para doar. Atualmente, da parte dos pais, apenas recebem um presente, “algo que gostariam de ter e, muito importante, que também faça sentido para nós”.
Também Fânia Santos, instrutora de Yôga, opta por pedir à família e aos amigos apenas o necessário para Mariana (3 anos) e, mais recentemente, André (4 meses). “Digo mesmo o que devem comprar e, quanto menos, melhor”. Quando o valor é mais elevado, Fânia pede para se juntarem e, assim, “reduz-se o número de prendas e conseguimos algo mais significativo.” Como mesmo assim, ainda são alguns presentes, guarda-os e vai oferendo à filha ao longo do ano.
Mas por que razão sobrecarregamos as crianças com presentes?
Nos dias que correm, é difícil ter tempo para acompanhar as crianças e o pouco que há está, muitas vezes, saturado com o que não importa.
Mariana Coelho esclarece que “o excesso de presentes surge, frequentemente, como uma compensação dessa falta de tempo. O sentimento de culpa torna-se um motor para esta compensação que apenas se revela material e vai contribuir para as crianças desenvolverem baixa tolerância à frustração e muito pouca imaginação. E porquê? Terem tudo que querem faz com que não valorizem o esforço financeiro dos pais, impede-os de sonhar e imaginar, acabam por desvalorizar aquilo que têm e permanecem insatisfeitos – porque, perante o excesso, o desinteresse pode ser absoluto”.
Para além disso, as crianças e os jovens lembram-se, sobretudo, dos momentos com os pais e os avós. “O passar tempo com os filhos, brincar, partilhar e alimentar o imaginário deles é o maior presente que lhes podemos dar. São as memórias da família, os jogos, os costumes, o cheiro, o convívio que se prolongam no tempo e que atribuem o significado do que é o Natal” refere a psicóloga.
Ana Gama conta que as suas filhas já têm uma noção diferente do Natal e a consciência de que têm coisas a mais e “que é muito importante dar a quem não tem”. Aliás, uma das tradições desta família nesta época festiva passa pela seleção de alguns brinquedos para oferecer a instituições ou crianças mais carenciadas.
Mudar os hábitos e incutir valores
Uma boa forma de desfocar o Natal dos presentes é contribuir para que as crianças façam parte de toda a magia do Natal. Partilhamos algumas dicas:
- Envolva as crianças na preparação: Desde a decoração da casa, à montagem da árvore de Natal, confecionar algumas receitas típicas desta época, etc;
- Selecione brinquedos para doar a instituições: Combine uma espécie de “troca”. O seu filho vai receber novos brinquedos, logo pode dispensar os mais antigos ou alguns que já não utiliza. Esta é uma ótima estratégia para perceber que existem outras realidades;
- Permita escolher 2-3 presentes: Se o seu filho escrever a carta ao Pai Natal, imponha limites. É importante terem a perceção que não podem ter tudo, mas que, mesmo assim, podem escolher;
- Antecipe com a família e amigos: Para contornar o excesso de presentes, fale com antecedência com os seus familiares e amigos e explique o seu objetivo para este Natal;
- Lembranças originais ou DIY: Já pensou em criar ofertas personalizadas com os seus filhos? Esta tarefa requer tempo e esforço das crianças, pelo que oferecer lembranças tão especiais terá, com certeza, um significado diferente;
- Selecione e guarde brinquedos: Se o seu filho receber demasiados presentes, selecione alguns e guarde-os para ir apresentando ao longo do ano como uma novidade;
- Saiba dizer “não”: Vai sempre ter um efeito positivo a longo prazo, por exemplo, na tolerância à frustração ou no saber esperar.
Contudo, a primeira mudança tem de partir dos pais. Não é justo pedir à família e amigos para oferecerem poucos presentes se os próprios pais não mudarem os seus hábitos de consumo com os filhos. E, mesmo que o primeiro “Natal minimalista” seja um desastre (os avós…!), não desista… Porque a magia do Natal não se faz só de presentes.