Divórcio: onde ficam os sentimentos dos filhos?
Terça-feira, tarde cinzenta e chuvosa. Uma primeira consulta; motivo: divórcio dos pais.
A Carla é uma menina de 7 anos, esconde um olhar distante, até um pouco desconfiado. Nele carrega o peso das discussões assistidas, no pensamento traz o eco da emoção das palavras incompreendidas, estranhas, que nunca pediu nem quis ouvir.
Do divórcio dos pais, não fala. É mais fácil suportar o desconforto, do confronto dos pais, através do silêncio. Tem duas casas, planeia o seu dia-a-dia em função disso. À segunda, quando vai à do pai, leva já no saco o equipamento do ballet que vai usar na quarta-feira e recorda que na quinta não se pode esquecer do livro de exercícios de matemática, no fim-de-semana é certo que irá praticar.
A mãe surpreende-se com a sua organização, com a regra que exige a si própria. A Carla não sabe lidar com o seu limite, impõem a si mesma a perfeição. No divórcio dos pais a perfeição é planificar a semana de forma exímia, é parecer que sempre se viveu assim, que nem uma fase de adaptação foi necessária.
Pelas suas palavras, o único senão é mesmo o de não poder estar em dois lugares ao mesmo tempo. Lamenta o período de ausência e o vazio que cria na vida dos pais, não tem consciência que o espaço que não está preenchido é o seu… o de se entregar à alegria do brincar como uma outra menina de 7 anos.
Em casa do pai é-lhe contada uma história e em casa da mãe outra, pergunta-se em qual delas deve acreditar. Prefere interiorizar a dúvida, matar o som, calar as perguntas que surgem no seu pensamento. Os pais, que caminham num luto difícil e prolongado, esquecem-se de cuidar da Carla, não, não se esquecem das refeições, dos banhos e dos horários da escola. Esquecem-se do colo, de aceitar o momento de silêncio que antecede a partilha.
Na escola, o quadro mantém-se branco, as mesas castanhas e o recreio cinzento. A Mafalda, a amiga que no sábado passado disse que a amava, é uma referência importante mas não é suficiente. A avó aborrece-se com o seu mau humor, questiona-se se será por não gostar dela o suficiente que ao brincar se torna agressiva e exige aquelas brincadeiras tão pouco entusiasmantes.
Hoje, a mãe da Carla tomou uma decisão, empenhar-se no bem-estar da filha, recorreu à consulta psicológica.