Já ouviu falar de pais “curling”? Sabe como são? Já descobriu se é um pai ou mãe “curling”? Se responder “sim” às próximas questões, este artigo é para si.
Quando o seu filho sofre uma queda, você é daqueles pais que correm para levantá-lo, sem permitir que ele reaja sozinho? Tenta observar tudo o que a criança faz, constantemente? É você que escolhe os brinquedos para o seu filho brincar no parque para evitar que se magoe?
Se sim, cuidado! Zelar pelos filhos é positivo e necessário. Contudo, os comportamentos superprotetores trazem mais prejuízos do que benefícios!
A origem do termo “curling”
O comportamento superprotetor recebeu recentemente um novo termo que o define: “curling”. Porquê “curling”? A palavra, de origem inglesa, deriva do verbo “to curl”, que significa “curvar”, “enrolar-se”, e é usada no desporto. Identifica um jogo um olímpico coletivo criado por volta do século XVI na Escócia.
Este desporto – o “curling” – é praticado numa pista de gelo, tendo como objetivo lançar pedras de granito o mais próximo possível de um alvo. Mas as pedras só deslizam com a ajuda de vassouras usadas pelos desportistas.
Da mesma forma, limpar os obstáculos para facilitar ao máximo o caminho das crianças e jovens gerou a relação “curling” na educação. E essa prática é denunciada pelo escritor e educador australiano, John Marsden.
John Marsden ficou famoso com a série literária “Amanhã”. Professor, educador e diretor de duas escolas em Victória, na Austrália, o especialista lançou um novo livro em 2019. A obra, que é um manifesto sobre a educação das crianças, intitula-se The Art of Growing Up (A Arte de Crescer). Este manifesto constitui uma crítica à “parentalidade tóxica”, a qual é entendida como superproteger as crianças.
As crianças precisam de aprender a defender-se
O escritor analisa os prejuízos que os pais e mães inflige sobre os filhos ao impedi-los de correrem riscos. “Ao limitarmos a exposição das crianças ao perigo, ao medo, estamos a limitar a sua capacidade de amadurecer, desenvolver resiliência e independência” lê-se. John Marsden desespera-se com os pais que não permitem que crianças de quatro anos descasquem as suas próprias tangerinas. “Elas são capazes de se ajudarem a si mesmas”, garante o educador.
Este tipo de comportamento, considera, afeta os jovens profundamente. John Marsden argumenta que esta “safra” contemporânea de adolescentes está a superar gerações anteriores em termos de desempenho académico, envolvimento político e noutros aspetos.
Porém, o pedagogo teme pela saúde emocional destes jovens. Com efeito, cita, as estatísticas sobre a prevalência de problemas de saúde mental entre os jovens confirmam esses receios. “A escala do problema é enorme. A questão dos danos emocionais é pandémica”, descreveu ao jornal britânico The Guardian. “O nível de ansiedade é algo que nunca vi antes e não sei como poderá ser melhorado”.
A ânsia de proteger resulta na desproteção
O comportamento “curling” dos pais também foi apontado pela jornalista espanhola Eva Millet no livro Hiperniños: Hijos Perfectos ou Hipohijos? (“Hipercrianças: filhos perfeitos ou hipofilhos?”). Eva explica que a obsessão pelo “hiperfilho” (ou seja, o filho perfeito e intocável) resulta numa “hipocriança”. Porquê? Acontece que esta se transformará num adulto mais frágil, inseguro e dependente. Acontece que este tipo de criança carece de uma habilidade fundamental para viver: autonomia. A jornalista defende que a ânsia de superproteger resulta na desproteção. Com efeito, “afinal, como é que a criança vai aprender por si própria, se fazem sempre tudo por ela ou lhe poupam as dificuldades?”, questiona.
Na obra, a autora relata uma história contada por professoras num programa de rádio na Espanha. As educadoras contavam que os bebés que caíam no pátio da escola, durante as brincadeiras, não se levantavam. Com efeito, mantinham-se no chão, independentemente da intensidade da queda. Quando as professoras iam ter com essas crianças, descobriam que não lhes tinha acontecido nada de grave. Elas simplesmente não sabiam que podiam levantar-se sozinhas! Porquê? “Porque até aquele momento tinham sido sempre socorridas por um adulto”, conclui Eva Millet.
E os “pais helicóptero”?
O comportamento parental superprotetor é igualmente conhecido como “paternidade-helicóptero”. Ou seja, é denominado “helicóptero” porque define os pais e mães que estão constantemente a fiscalizar os filhos. À semelhança, dos pais “curling”, os “pais helicóptero” também protegem excessivamente os filhos. Este termo é também empregue por Eva.
Além daquela escritora, Nicole Perry e colegas, do Instituto de Desenvolvimento Infantil, da Universidade do Minnesota Twin Cities, nos Estados Unidos da América, também analisaram o comportamento parental superprotetor. O resultado foi o desenvolvimento de uma pesquisa que seguiu 422 crianças durante um período de oito anos. O resultado da investigação apontou que a superproteção é realmente prejudicial.
Educar com sensibilidade, para a autonomia
Neste contexto, a equipa referiu que os pais podem mudar as suas práticas. Como tal, os pais devem:
- Ser sensíveis às necessidades dos filhos e reconhecer as capacidades dos mesmos sempre que se deparam com diferentes situações.
- Orientar a criança, sem interferir nem solucionar o problema, para que ela consiga o objetivo a que se propõe; orientá-la no sentido de resolver os seus problemas sozinha, o que lhe permitirá um melhor desenvolvimento da sua saúde mental e física, a melhores relações sociais e resultados escolares.
- Não limitar as oportunidades das crianças.
- Ajudar os filhos a controlarem as suas emoções, conversar com eles sobre como entender os seus sentimentos e explicar-lhes que os comportamentos podem resultar de certas emoções; explicar ainda as consequências que as diferentes reações podem acarretar.
- Ajudar os filhos a identificarem estratégias de confrontação positivas, como respirar fundo, ouvir música, colorir ou retirar-se para um lugar tranquilo.
A investigadora realça que as conclusões do estudo mostram a importância de educar os pais para apoiarem a autonomia dos filhos. Afinal, pais e mães tendem a ser bem-intencionados na educação dos filhos, mas todos os exageros devem ser controlados.
A importância de se ser um pai autoritativo
Tipificar as atitudes dos pais não é algo novo. Nos anos 60, a investigadora Diana Baumrind desenvolveu estudos pioneiros que abordam esta temática. Estes estudos tiveram como objetivo avaliar o impacto das práticas parentais sobre várias dimensões da vida. Assim, os estudos contribuíram para a formulação de três tipos de estilos parentais, considerados decisivos no processo de desenvolvimento das crianças e jovens. São eles:
- O estilo permissivo
- O estilo autoritário
- O estilo autoritativo
Em linhas gerais, estes estilos parentais podem ser definidos das seguintes formas:
- Autoritário (“Too Hard”): caracterizado por uma elevada exigência e baixa capacidade de resposta. Este estilo não é benéfico pois o pai autoritário é rígido, severo e exigente. Os pais abusivos geralmente enquadram-se nesta categoria (embora Baumrind tenha o cuidado de enfatizar que nem todos os pais autoritários são abusivos).
- Permissivo (“Too Soft”): definido pela baixa exigência e alta capacidade de resposta. Este estilo pode também ser prejudicial pois o pai permissivo responde excessivamente às exigências da criança. Adicionalmente, este tipo de pai raramente impondo regras consistentes. A criança “mimada” tem geralmente pais permissivos.
- Autoritativo (“Just Right”): caracterizado por uma elevada exigência com grande capacidade de resposta. Em que se traduzem estas características? Bem, o pai autoritativo é firme, mas não rígido e disposto a abrir uma exceção quando a situação o justificar. O pai autoritativo responde às necessidades da criança, mas sem ser demasiado benevolente.
Estar atento às necessidades emocionais dos filhos
Cada estilo parental deu origem a novas tipologias. Estas tipologias são exploradas por diferentes investigadores das áreas da sociologia e da psicologia, entre outras ciências. Adicionalmente, todas estas caracterizações podem intercomunicar-se. Entretanto, saber que tipo de pai ou mãe se é, não é mais importante do que saber as necessidades emocionais reais dos filhos. Isso reflete-se no crescimento da criança.
Concluindo, os pais devem tomar consciência que são seres responsáveis pelo desenvolvimento de novos indivíduos. Esta é uma tarefa que é sempre bem desempenhada quando há amor. E ainda com ajuda profissional, sempre que há dificuldades. Isto irá beneficiar tanto pais como filhos.