Quando uma criança nasce, não sabe nada sobre o mundo à sua volta. Cada olhar, cada imagem, cada som… tudo é uma novidade. E é precisamente devido a essa falta de conhecimento e autonomia que levam os pais a defender que os filhos são seres muito frágeis, que precisam de cuidados constantes. E está tudo certo. As crianças devem ser acompanhadas de perto pelos adultos.
Mas, alguns pais não conseguem dosear esses cuidados e acabam por se tornar pais superprotetores, querendo sempre saber o que os pequenos estão a fazer e impedindo-os de correr os menores riscos possíveis.
No parque, a criança é incentivada a evitar o escorrega mais alto, pois pode magoar-se; se os trabalhos de casa parecem complicados, os pais acabam quase por os fazer; dormir em casa de amigos ou dos avós é impensável, pois ninguém sabe cuidar melhor da criança do que os próprios pais… há, inclusive, pais que afirmam que ficariam mais descansados se pudessem acompanhar o dia-a-dia dos filhos através de uma câmara de segurança.
“Bolha de proteção” pode ter consequências no futuro da criança
Se se identificou com algumas das situações acima descritas, está na hora de ligar o alerta. Por mais amor e carinho que tenha ao seu filho, atitudes de superproteção podem estar a prejudicá-lo e podem ter impacto no futuro. É normal e perfeitamente compreensível que os pais queiram colocar os mais pequenos numa espécie de “bolha de proteção”, pois sabemos que os progenitores só querem o melhor para os seus filhos.
No entanto, saiba que ao impedir a criança de se desafiar e testar os seus limites, está, também, a tirar a oportunidade de a criança se questionar, de ter autonomia, de ser curiosa, de errar e aprender com os próprios erros. Este comportamento pode fazer com que se tornem pessoas frágeis.
Estudo norte-americano concluiu que superproteção tem impacto na vida social e escolar das crianças
Estas questões têm sido alvo de debate entre os investigadores. Um estudo da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, concluiu que os pais superprotetores estavam a criar crianças frustradas e super dependentes dos progenitores.
Os investigadores analisaram mais de 440 crianças, de 2 anos de idade, que participaram numa atividade de brincadeira com as mães, numa sala repleta de brinquedos. A equipa pretendia avaliar até que ponto as mães tentavam assumir a tarefa ou deixavam que o filho descobrisse sozinho.
Alguns anos mais tarde, quando as crianças tinham entre 5 e 10 anos, os professores destacaram alguns sinais de alerta, como tendências depressivas, ansiedade ou solidão. Segundo os investigadores, as crianças de mães mais controladoras, demonstraram menor controlo sobre as suas próprias emoções e impulsos aos 5 anos. Aos 10 de idade, a situação ficou mais preocupante, com o agravamento das habilidades sociais e do desempenho escolar.
Hiperpaternidade não dá espaço para autonomia dos filhos
A jornalista e escritora Eva Millet destaca esta ideia e fala mesmo do conceito hiperpaternidade e hiperfilho. Alguns pais desenvolvem uma “obsessão pelo hiperfilho”, ou seja, perfeito e intocável, que dá origem ao que Eva designa por hipocriança. No fundo, falamos de “um indivíduo mais frágil, inseguro e dependente e que carece de uma habilidade fundamental para viver: autonomia”.
No seu livro, a autora defende que a necessidade de superproteção resulta, afinal, na desproteção. Isto porque a criança nunca vai conseguir aprender sozinha e a lidar com os erros, uma vez que fazem tudo por ela e lhe poupam das dificuldades.
Em que medida devemos proteger os nossos filhos?
Depois de tudo o que já abordamos, a pergunta que se impõe é: “Então, qual é o limite do controlo e dos cuidados que devo ter com o meu filho?”. Acima de tudo, é importante explicar às crianças os perigos que existem e a necessidade de terem cuidado e de se protegerem. Contudo, não devemos permitir que esta orientação aconteça com base num medo excessivo e que os faça pensar que o mundo longe dos pais é um lugar perigoso.
Eva Millet partilha no seu livro um episódio que decorreu numa escola: alguns bebés caíram enquanto estavam a brincar no recreio e não se levantaram, apenas permaneceram inertes no chão, o que preocupou as educadoras. Ao chegar perto das crianças, rapidamente perceberam que não tinha acontecido nada de grave e que não se tinham mexido porque não sabiam que se podiam tentar levantar sozinhas. Isto porque, até aquele momento, tinham sempre sido socorridas por adultos.
Muitas vezes, na tentativa de proteger os filhos, os pais não permitem que estes cresçam, influenciando o desenvolvimento motor e, como no caso partilhado, não dando espaço para a criança fazer algo de que seria já capaz.
Para a escritora Eva Millet, muitas vezes, fazemos confusão sobre a forma como devem amar os nossos filhos. A máxima “amo tanto o meu filho que vou fazer de tudo para que não sofra” não é, como vimos, indicada, pois devemos dar-lhes “as ferramentas para que não sofram na vida, sem necessariamente evitar o sofrimento”.
Dicas para ultrapassar a superproteção
Por isso, liberte-se um pouco dessa preocupação constante em superproteger o seu filho. Toda esta preocupação e necessidade de controlo e de garantir que não se vai magoar, acarreta um grande peso para a parentalidade.
É crucial estabelecer uma relação de confiança, conversando habitualmente com o seu filho para o conhecer melhor e perceber, desde cedo, que está a transmitir os ideais corretos. Explique as normas e dê conselhos com uma linguagem apropriada à idade e incentive a criança a ser a melhor versão dela própria, mas aceitando a realidade de que não é possível atingir a perfeição.
Porém, o mais importante é começar a mudança em si. Se lhe parecer uma tarefa complicada, não hesite em procurar ajuda de um profissional de forma a identificar alguns bloqueios emocionais e, a partir daí, trabalharem para conseguir mudar a sua atitude e a forma de pensar.
Vai ver que, assim que conseguir libertar-se desta ideia da superproteção, vai-se sentir mais leve e vai notar diferenças na relação com o seu filho. A insegurança, irritação e os sentimentos de culpa vão, lentamente, dar lugar à conversa, à escuta ativa e a uma maior presença – física e emocional – nos momentos que são importantes na vida da criança.