Quando em maio de 2011 ouvimos pela primeira vez a expressão “Síndrome de Angelman”, não fazíamos ideia do que queria dizer.
Síndrome de Angelman
A médica que nos deu o diagnóstico também pouco mais conhecia. Tinha ido à internet pesquisar artigos que a ajudassem a conseguir explicar-nos o que, a partir daquela data, era o diagnóstico oficial do nosso filho.
Ele tinha na altura 15 meses e desde os 6 meses de idade que desconfiávamos que alguma coisa não estava bem…
O Pedro nasceu às 38 semanas, depois de uma gravidez normalíssima. Era (e ainda é) das crianças mais bonitas que me lembro de ver. Era muito cor de rosa, com um cabelo muito loirinho.
Nasceu com os parâmetros todos dentro da normalidade, mas desde cedo que teve dificuldades de sucção e muito refluxo. Sempre foi um bebé magrinho mas ia crescendo ao seu ritmo.
Aos 6 meses a pediatra começou a desconfiar que alguma coisa não estava bem, o que foi para nós um primeiro grande choque. Ele de facto ia fazendo as suas aquisições mais devagar, mas nunca pusemos a hipótese de ele não ser “normal”.
Achámos que ele tinha o seu ritmo e que era preciso dar-lhe tempo, que ele ia chegar lá. Mas o facto é que ele não aumentava de peso, e aí começou a odisseia de exames e de consultas para tentarmos perceber o que se passava.
Após quase um ano de consultas infrutíferas, pedimos a opinião de outro médico que nos disse claramente: “O Pedro tem qualquer coisa neurológico, de certeza. Até descobrirmos o que é, concentrem-se em trabalhar com ele e não estejam tão preocupados com o rótulo.”
Mas aconselhou-nos, por descargo de consciência, a fazer uma avaliação genética. E não é que tinha de ser à última? O diagnóstico da avaliação indicava que o Pedro tinha “Síndrome de Angelman”. Mas afinal o que é isto?
A Síndrome de Angelman é uma alteração genético-neurológica causada, na maioria dos casos, pela ausência ou imperfeição do cromossoma 15 materno. Caracteriza-se, entre outros, pelo atraso severo no desenvolvimento, dificuldade na fala, distúrbios no sono, convulsões, movimentos disconexos e sorriso frequente.
Foi-nos passada a mensagem que o nosso filho tinha um atraso grande no desenvolvimento, que não ia falar, que ia ter dificuldade em andar, que provavelmente teria convulsões… enfim, um cenário escuro. Passei os primeiros dias meio desnorteada, perdida.
Afinal o que eu tinha idealizado para o meu filho não ia ser nada assim.
“Julguei que ia ter de ensinar ao meu filho sobre o mundo, afinal vou ter de ensinar ao mundo sobre o meu filho.”
Encontrei esta frase que realmente resume a reviravolta dos acontecimentos nas nossas vidas.
E de facto é assim, não vou mentir. Há dias piores, outros melhores, mas é uma realidade com a qual vamos aprendendo a viver. Claro que não é fácil viver com um “anjo”. São noites mal dormidas, houve coisas que tivemos de adaptar e horários e rotinas que tivemos de fixar (toma da medicação, hora de deitar, etc.).
À mesa tem sempre de ficar numa ponta e longe de tudo porque senão deita a mão a pratos, talheres, copos… Mas não há nada que deixemos de fazer todos em família (almoços, férias, fins de semana, festas), juntamente com os irmãos.
E embora a tentação seja a de pensar “porquê?”, dou por mim muitas vezes a agradecer a oportunidade de viver com estas realidades diferentes, pois acredito que me torna uma melhor pessoa, mulher, mãe,…
Acredito também que até para as outras crianças que convivem com ele (os irmãos, colegas, primos, amigos) é genuinamente bom. Acredito mesmo que serão melhores pessoas por terem de conviver lado a lado com a diferença, tratando-a por “tu”.
Os irmãos sempre o conheceram assim e falam do assunto com uma naturalidade que os adultos não conseguem: “sim, o meu irmão não anda e não fala, porque ele é Angelman“. Os colegas da escola foram para mim uma surpresa muito enternecedora.
O Pedro está numa turma de ensino regular e tem uns colegas que o adoram. Estão sempre a perguntar por ele, estão atentos às suas necessidades, desculpam os puxões de cabelos, as babadelas, etc.. Convidam-no para as suas festas de anos e ficam contentes quando ele pode ir ou sentem a sua falta quando não pode…
Agora com 6 anos, os dias do Pedro são divididos entre a escola e os apoios terapêuticos (hidroterapia, psicomotricidade, terapia da fala e fisioterapia).
A logística é grande mas contamos com o apoio da rede familiar que é, sem dúvida, um pilar fundamental para nós. Não só na logística do dia-a-dia mas também em momentos que precisamos de recuperar forças e ir passar uns dias fora (em casal) ou com os outros filhos.
Sim, é preciso ter estes momentos porque de facto não somos feitos de ferro, não somos máquinas. Somos humanos e por vezes é preciso desligar e recuperar forças para continuarmos a ser uma família normal, feliz… que teve a sorte de receber um “anjo”.
* Ter um anjo na nossa família é:
- Desenvolver os melhores reflexos do mundo… para conseguir evitar que o prato voe da mesa de jantar ou para proteger-te de uma cotovelada inadvertida no nariz ou no queixo.
- É chegar ao restaurante e a primeira coisa que faz é colocar tudo na outra ponta da mesa, para que o seu anjo não destrua nada.
- É aprender a pedir desculpa a estranhos, pelos abraços, espremidelas, beliscões ou lambidelas que o seu anjo costuma oferecer.
- É ter que de vez em quando comprar um pacote de pipocas ou um hamburger a alguém, só porque o seu anjo foi mais rápido que toda a gente e chegou lá primeiro.
- É aprender a ser o melhor do mundo a tirar-nódoas.
- É nunca ouvir ninguém dizer “Síndrome de Angleman, sei perfeitamente o que isso é!”, nem sequer em hospitais.
- É não saber o que é uma boa noite de sono.
- É ir a correr para a casa de banho, quando ouvimos a torneira aberta, a água a cair no chão e alguém a rir sem parar.
- É aprender a deixar as portas da cozinha e da casa de banho sempre fechadas!
- É aprender todos os dias a ser mais sensível, mais carinhoso e mais paciente.
- É não conseguir, por mais que se esforce, tornar a sua casa à prova de anjo (há sempre alguma coisa que ele vai conseguir encontrar).
- É saber que a comida no prato do lado, está sempre mais perto do que parece.
- É saber que se algo foi deixado no chão vai ser lambido e mordido.
- É aprender que se se deitar no chão, vai sofrer um ataque de wrestling
- É aprender a não se queixar!
- É aprender a mudar a fralda só com uma mão, enquanto o segura com a outra.
- É descobrir que se usar o cabelo mais curto, ele tem mais dificuldade em puxá-lo!
- É perceber que por mais alto que pareça que guardou as coisas, nunca está suficientemente longe.
- É saber que às vezes a televisão até é muito interessante às 4 da manhã!
- É receber abraços a toda a hora.
E mais importante…
Ter um anjo na família, origina a que por vezes nos sintamos tristes, sozinhos e fatigados e sem forças para continuar. Mas nesse momento, pensamos nos sorrisos e abraços do nosso anjo e tudo muda. Há qualquer coisa na alegria que eles transmitem, que nos ajuda a continuar a lutar!
Mais informações sobre o Síndrome de Angelman aqui: www.angel.pt