O sono é um pilar essencial do desenvolvimento físico, cognitivo e emocional das crianças. Durante o descanso noturno, ocorrem processos fundamentais de crescimento, consolidação da memória e regulação hormonal. Contudo, segundo a Associação Portuguesa do Sono estima-se que entre 10 a 15% das crianças apresentem algum grau de roncopatia (ressonar), e cerca de 1 a 3% sofram de Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) pediátrica, uma condição mais grave que se caracteriza por paragens respiratórias repetidas durante o sono. Embora muitas vezes se considere o ressonar como algo inofensivo, em idade pediátrica este pode ser um dos sinais de obstrução da via aérea superior, que pode estar a interferir na qualidade do sono das crianças.
Dr.ª Ana Nóbrega Pinto – Clínica ORL
Reconhecer precocemente os sinais e procurar avaliação médica é essencial para prevenir consequências a longo prazo, nomeadamente dificuldades de concentração, problemas comportamentais, atraso de crescimento e alterações cardiovasculares.
Quais são os sinais de alarme?
Durante a noite, os sintomas mais típicos, e que devem alertar os pais e cuidadores, são os seguintes:
- Ressonar intenso e persistente (mais de 3 noites por semana);
- Pausas ou paragens respiratórias, observadas pelos pais/cuidadores;
- Dormir de boca aberta;
- Babar-se muito durante a noite;
- Assumir posições pouco típicas durante o sono (por exemplo, com o pescoço esticado, em hiperextensão);
- Sono agitado, com despertares frequentes;
- Suores nocturnos;
- Por vezes, enurese (fazer xixi na cama);
Estas manifestações indicam esforço respiratório aumentado durante o sono, na tentativa da criança conseguir ultrapassar uma zona de obstrução da via aérea superior e permitir a passagem do ar.
Durante o dia, as consequências da má qualidade do sono, apresentam características distintas:
- Nas crianças, ao contrário do que acontece nos adultos – em que a apneia do sono se manifesta sobretudo por sonolência excessiva diurna – podem surgir sintomas paradoxais de hiperatividade e agitação durante o dia;
- Dificuldades de atenção, memória e rendimento escolar;
- Alterações comportamentais, tais como irritabilidade;
- Respiração oral persistente ou preferencial;
- Discurso hiponasal (voz nasalada);
- Cefaleias matinais (dores de cabeça ao acordar);
- Em casos mais prolongados, pode observar-se atraso de crescimento, consequência da fragmentação do sono e da alteração da produção da hormona de crescimento, que ocorre predominantemente durante o sono profundo.
Como deve ser feito o diagnóstico?
O diagnóstico da roncopatia e da apneia do sono em idade pediátrica começa sempre com uma avaliação clínica cuidadosa por um médico otorrinolaringologista ou especialista em medicina do sono pediátrico. A colheita de uma história clínica detalhada é fundamental para caracterizar os sintomas e avaliar a gravidade do quadro. O exame objetivo realizado durante a consulta permite observar o tamanho das amígdalas e adenóides, a anatomia da cavidade nasal e o padrão respiratório.
Em alguns casos, recorre-se à nasofibroscopia, um exame rápido e bem tolerado que permite visualizar as vias respiratórias superiores e identificar o grau de obstrução.
A polissonografia – estudo do sono – não é necessária em todos os casos de SAOS pediátrico, nomeadamente quando os achados clínicos e objetivos são concordantes. No entanto, está indicada quando existe discrepância entre a clínica e o exame físico, na presença de fatores de risco (como malformações craniofaciais, doenças neuromusculares, entre outros) ou em caso de persistência de sintomas após a adenoamigdalectomia. Trata-se de um exame de referência para avaliação do sono,
registando parâmetros como o fluxo respiratório, os movimentos torácicos, a oxigenação e a arquitetura do sono, confirmando a presença e a gravidade das apneias.
Em situações específicas, podem ainda ser pedidos exames complementares de imagem ou realizada uma avaliação multidisciplinar, envolvendo pediatria, pneumologia e ortodontia.
Que opções de tratamento existem?
As opções de tratamento dependem da causa e da gravidade da obstrução. Nos casos ligeiros, pode optar-se por uma tratamento médico, que habitualmente inclui tratamento anti-inflamatório nasal (com corticosteróides tópicos) e montelucaste.
Esta terapêutica é particularmente útil quando existe rinite alérgica associada. O controlo do peso, quando há excesso ponderal, e a correção de hábitos que interferem com o sono – como a exposição ao fumo do tabaco ou horários irregulares – são igualmente importantes.
Nos casos em que a obstrução é mais grave ou não há resposta ao tratamento médico, o tratamento cirúrgico é a opção seguinte. Dado que o aumento das adenóides e das amígdalas é a principal causa de SAOS pediátrica, a adenoamigdalectomia (remoção dessas estruturas) é o tratamento cirúrgico de primeira linha. Esta intervenção, segura e eficaz, permite uma melhoria significativa da respiração, do sono e do comportamento da criança.
Em casos específicos – habitualmente em crianças mais crescidas – podem ser necessárias outras cirurgias complementares, como a correção do desvio do septo nasal ou intervenções sobre o palato, com o objetivo de otimizar a via aérea superior. Quando persistem sintomas após a cirurgia, é essencial uma reavaliação multidisciplinar e, ocasionalmente, pode ser necessário o recurso a ventilação não invasiva (CPAP) durante o sono.
Conclusão
O ressonar numa criança não deve ser ignorado. Pode ser o primeiro sinal de uma patologia com impacto significativo no crescimento e desenvolvimento global. A avaliação precoce por um especialista em ORL permite identificar a causa, confirmar o diagnóstico e instituir o tratamento
Por Dr.ª Ana Nóbrega Pinto – Clínica ORL