Os portugueses são um povo de emigrantes. E assim é há centenas de anos. A procura por melhores condições de vida tem sido uma constante entre nós, e assim continua a suceder hoje em dia.
A crise económica provocada pela pandemia que estamos a viver, e cujos efeitos e extensão total ainda não estamos em condições de prever, poderá provocar uma nova vaga de emigração.
Sempre que estão em causa pais separados ou divorciados, porém, entram em jogo outros fatores que deverão ser ponderados. A mudança dos filhos para outro país representará, inelutavelmente, um afastamento relativamente ao progenitor e demais familiares que ficam. E é natural que suscite a oposição de quem fica.
O que fazer se o pai ou a mãe que não emigra e permanece em Portugal não autoriza a mudança do filho ou filhos para um país estrangeiro?
A regra consagrada no art. 1906º, n.º 1, do Código Civil, é a de que o exercício das responsabilidades parentais incumbe, na maior parte dos casos, a ambos os progenitores. Isto significa que as decisões mais relevantes para a vida dos filhos, chamadas questões de particular importância, são tomadas por ambos os progenitores. Ora, de entre estas decisões conta-se, naturalmente, a mudança de residência da criança para um país estrangeiro.
Assim, a mudança de residência da criança para outro país acompanhando um progenitor que aí pretende passar a viver implica o consenso de ambos os pais. Se este consenso não existir, a decisão caberá então ao tribunal de família e menores.
E que critérios irão presidir à sentença do juiz que é chamado a decidir sobre esta questão da residência da criança?
Ora, como sabemos, as decisões judiciais que dizem respeito a crianças têm como critério e limite o superior interesse destas. Ao tribunal caberá apurar se a mudança é a decisão que melhor acautela este interesse ou se, ao invés, ela deve permanecer em Portugal.
A sentença irá ponderar as razões que motivam o projeto de mudança para um país estrangeiro e as possíveis implicações, positivas e negativas, nas dinâmicas familiares, em especial na relação da criança com o progenitor que não irá emigrar. Ao mesmo tempo, haverá que equacionar os possíveis impactos do afastamento da criança relativamente à sua atual realidade familiar, escolar, social, etc. Ao mesmo tempo, o tribunal avaliará também as consequências de uma eventual recusa, caso em que a criança ficaria privada do convívio próximo com o progenitor que irá emigrar.
Na eventualidade de ser autorizada a mudança para o estrangeiro, o tribunal deverá acautelar os convívios e contactos com o progenitor que permanece em Portugal, bem como com a restante família alargada. Se os contactos pessoais serão, necessariamente, mais espaçados, nada impede que se mantenham contactos regulares por videochamada. A decisão deverá também privilegiar os períodos de férias em Portugal e prever que a criança visitará o pai ou mãe em Portugal, e que também estes o poderão visitar no estrangeiro.
Note-se que o pai ou mãe que não obtenha o consentimento do outro progenitor, ou a autorização judicial, e se ausente para o estrangeiro com o filho, poderá incorrer na prática de um crime de subtração de menor previsto e punido pelo art. 249º do Código Penal e ao qual corresponde uma pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias.
Deve ainda ter-se em conta que Portugal é um dos países subscritores da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (Haia 25.10.1980) que prevê procedimentos céleres para o repatriamento de crianças levadas ilicitamente para o estrangeiro. Assim, o pai ou mãe lesado poderá acionar os mecanismos previstos na Convenção e conseguir, por esta via, o repatriamento da criança.
A decisão de emigrar induzirá inevitavelmente um afastamento entre a criança e o progenitor que permanece em Portugal. Sabendo-se disso, haverá que encontrar formas de mitigar esse afastamento, compensando-o, na medida do possível, com contactos telefónicos frequentes, e as férias em Portugal sempre que possível, assim preservando a relação filial.
Nuno Cardoso Ribeiro
Advogado de Família