Enfermeira de profissão, mãe de Pedro de 2 anos e João de 5 meses, Carmen Garcia é a autora do blog A Mãe Imperfeita. Carmen mostra a maternidade “sem eufemismos, de forma honesta e com a qual as pessoas se podem realmente identificar”.
Que palavra escolheria para se definir enquanto mãe?
Ups, acho que acabaram de desperdiçar aqui uma pergunta. É que por muito que queira ser original, a verdade é que só há uma palavra que me define como mãe: imperfeita.
O que mudou na vida com a chegada dos seus filhos?
É mais fácil perguntar o que é que não mudou… Eu mudei muito. E não, não vou falar em autodescoberta e outros conceitos que estão muito em voga hoje em dia. Mudei porque tive que mudar, porque a maternidade forçou essa mudança. Sou mãe de um menino diferente, um menino surdo, e isso forçou-me a ser mais paciente, ensinou-me a celebrar pequenas conquistas, tornou-me mais humilde.
Depois mudaram muitas outras coisas… A carreira, por exemplo, passou para segundo plano. Todos os dias entro no hospital para fazer o meu melhor, com competência e segundo as recomendações mais actuais. Mas já não ambiciono grandes coisas na enfermagem. As minhas prioridades agora chamam-se Pedro e João. Se calhar também podia falar aqui do facto de nunca mais ter conseguido manter a minha casa arrumada por mais de cinco minutos ou do fundo nunca mais avistado do cesto da roupa por passar, mas depois a resposta fica demasiado longa e as pessoas aborrecem-se.
Qual é para si o maior desafio na vida de uma mãe?
Fazer os filhos felizes. É uma responsabilidade do caraças. E pesa. Mas, do meu ponto de vista, essa é a maior missão de uma mãe. E a maior missão é sempre o maior desafio.
Conte uma história caricata, que tenha marcado a sua maternidade até agora.
Vou contar uma história relacionada com a surdez do Pedro, pode ser? Então nós vivemos numa pequena aldeola no Alentejo e quando está bom tempo o Pedro gosta de ir passear para ver umas galinhas que estão num quintal na outra ponta da aldeia. Um dia, num dos nossos passeios, duas velhotas que estavam sentadas à porta começam a chamar-me “ó menina, venha cá” e eu lá fui. E diz-me uma das senhoras: – “olhe lá uma coisa, este é o menino que é cego, não é?”, ao que eu prontamente respondo que não, aquele é o surdo. E mal digo isto a senhora vira-se para a outra e diz muito despachada: – “ó mulher, eu não te disse que ele para cego vinha a andar muito direitinho?”. Eu nem sei bem o que me ri. Foi completamente caricato.
(E sim, para quem não conhece a página, eu falo abertamente sobre a surdez, brinco com ela e não fico minimamente melindrada com estas coisas, antes pelo contrário.)
Em que momento decidiu criar “A Mãe Imperfeita”?
Estava “enclausurada” em casa, de baixa por gravidez de risco com necessidade de repouso quase absoluto, com um filho de 14 meses com uma surdez recentemente diagnosticada e sentia-me oprimida pela imagem demasiado filtrada e polida da maternidade, que me passava a vida a ser impingida pelas redes sociais. Vai daí que decidi que era altura de chamar os bois pelos nomes e falar sobre a maternidade real, sem eufemismos, de forma honesta e com a qual as pessoas se pudessem realmente identificar. E nasceu “A mãe imperfeita”.
Como descreveria o blog, para quem não o conhece?
Um blogue (que é na realidade mais uma página de Facebook que um blogue mas pronto, chamemos-lhe assim) divertido, que arranca sorrisos e gargalhadas das mães, que chama as coisas pelos nomes e que mostra que aceitar a imperfeição é o melhor que podemos fazer por nós e pelos nossos filhos. N’ A Mãe Imperfeita vale não amamentar, vale amamentar até os putos irem para a universidade, vale dar papas industriais, vale dar papas caseiras… Basicamente só há duas coisas que não valem: fundamentalismos e conversa anti-vacinação. A malta anti-vacinação ganha logo bilhete de ida para o vale dos banidos, portanto se fazem parte desse grupo de lunáticos escusam de estar a pensar ir chatear-me a cabeça, que nem chegam a aquecer o lugar.
Uma coisa boa e uma coisa menos boa que o “A Mãe Imperfeita” tenha trazido.
O blogue trouxe-me pessoas incríveis, tornou a minha vida muito mais rica. E deu-me a oportunidade de fazer o que mais gosto: escrever. Menos boa? Até agora, tirando alguns comentários perfeitamente abjectos, acho que não há assim nada de realmente negativo ou menos bom.
Que conselho gostaria de deixar a quem está prestes a ser mãe?
Que não elevem demasiado a fasquia e que não partam para a aventura da maternidade com as expectativas demasiado altas. É um dia de cada vez e, no mundo real, a maioria das mulheres passa por dificuldades: a falta de descanso é tramada, os primeiros dias com o bebé em casa parecem uma névoa, amamentar pode ser difícil, o corpo demora a ir ao lugar (e pode nunca voltar ao que era) e, às vezes, só temos vontade de chorar. Mas isto vem no pacote maternidade. As pessoas falam é pouco desta parte.
Obrigada Carmen!