Fotos retiradas do Blog UAU Mamã, Instagram e Facebook
Catarina Gaspar, de 30 anos, é, desde que tem memória, uma apaixonada por bebés e fascinada por mulheres grávidas. Decidiu mudar de vida em 2013 no decorrer de uma formação na Rede Portuguesa de Doulas. Na altura, desempenhava funções de técnica de Cardiopneumologia na área de Cardiologia, mais precisamente na realização de exames de diagnóstico não invasivos. Tinha acabado de criar a sua empresa de exames de diagnóstico ao domicílio quando o amor pelo conhecimento adquirido neste curso a levou a dar uma volta de 180 graus na sua vida, optando por se dedicar exclusivamente à carreira de Doula.
Com o intuito de conhecermos um pouco mais do seu percurso profissional, como empreendedora e mãe, fomos ao seu encontro para uma entrevista intimista.
Em 2013, fez uma formação na Rede Portuguesa de Doulas que a fez repensar as suas escolhas profissionais. O que a motivou a fazer essa formação?
Eu comecei, semanas antes, a “confrontar-me” com informação sobre partos, sobre medicação usada durante trabalho de parto, sobre a importância do vínculo afetivo e do contacto pele-a-pele através de um site de uma doula brasileira. Sentia tanto entusiasmo quando lia sobre esses assuntos que comecei a pesquisar sobre as Doulas em Portugal e sobre o tipo de formação que tinham. Descobri que dali a um mês ia iniciar uma nova turma e quis saber mais. Diria que o que me motivou foi o entusiasmo, de facto!
Foi a partir daí que surgiu a vontade de rumar por outro caminho profissional?
Sim. Não sei precisar se foi exatamente nessa altura, até porque tinha aberto uma empresa de exames ao domicílio há pouco tempo. Mas sentia, claramente, que ia encontrar algo que me fizesse muito mais feliz e realizada e quando descobri as Doulas, e em específico a formação, senti que ia mudar a minha vida.
O que quer dizer exatamente quando diz sentir que a formação ia mudar a sua vida?
Eu sentia que não acrescentava muito à profissão que tinha anteriormente. Eu adorava cuidar das pessoas e sempre fui muito humana na prestação desses cuidados, mas não me chegava. Precisava de sentir que o que fazia me preenchia totalmente, marcando e fazia, mesmo, diferença na sociedade e nas pessoas a quem chegava. Devido ao entusiasmo que sentia quando lia sobre assuntos relacionados com bebés, psicologia intrauterina e neonatal, cuidados na gravidez, pedagogia, etc., percebi que o caminho tinha de ser por ali.
Enquanto fazia a formação de doula, decide criar um blog, o UAU Mamã, onde aborda diversos temas do enorme mundo da maternidade. Qual o objetivo aquando da sua criação?
Foi a forma mais direta de canalizar o entusiasmo. Estava tão deslumbrada com a quantidade de informação que estava a receber, e com a certeza de que estava tudo relacionado, que senti a necessidade de a trazer cá para fora. Senti como se tivesse uma missão – expandir toda esse conhecimento pelas mulheres e famílias -, e o blog foi esse canal.
Quando se estreou como doula e como foi o primeiro acompanhamento?
O primeiro acompanhamento foi logo após terminar a formação, lá para meio de 2014. Nessa altura [na fase inicial], os acompanhamentos traziam-me tanto de felicidade quanto de medo. O primeiro acompanhamento foi o de uma gravidez, no qual ajudava a lidar, de forma natural, com alguns desconfortos que iam surgindo; auxiliava a relacionar sensações físicas com questões emocionais e com medos e a apoiar, acima de tudo, o casal na busca de informação e no levantamento de questões. Também eu precisava de pesquisar e de responder a perguntas. [Para tal,] Pedi muito apoio e validação à minha professora Luísa Condeço.
Atualmente, ainda existe a ideia de que as doulas apenas acompanham a mulher no parto, mas na verdade o acompanhamento pode começar na preconceção.
Assim sendo, qual a importância da doula na preconceção e na gravidez? Como é realizado o acompanhamento?
O apoio emocional, a escuta ativa e a empatia são fundamentais em qualquer fase da nossa vida. Mais ainda quando estamos prestes a engravidar ou já na gravidez (com todas as alterações [hormonais e] emocionais que existem!).
Eu gosto muito de trabalhar com os casais durante a preconceção e faço-o de uma maneira muito própria. Gosto de os levar a questionarem-se sobre as suas motivações para serem pais; na história que trazem; nas crenças que existem; na forma como estão (ou não) preparados para lidar com o tempo de espera até o seu bebé vir [até conseguirem obter um resultado positivo num teste de gravidez].
Na gravidez, a Doula tem um papel importantíssimo de dar colo, de estar presente, de olhar nos olhos e ouvir o casal sem pressa nem julgamento. Colocar questões também para que possam reconhecer a informação que já têm ou precisam de procurar, para reconhecer as suas vontades e preferências e até para facilitar a conexão com o bebé e um maior estado de relaxamento e bem-estar na grávida.
Por falar em relaxamento e bem-estar da gestante, a Catarina também dá aulas de Kundalini Yoga para grávidas, mães e mulheres, em geral.
Quando surge esta nova atividade na sua vida?
O Yoga surgiu na minha vida no final da minha licenciatura, em 2010 ou 2011. O Kundalini Yoga, especificamente, surgiu em 2013 quando fiz a primeira meditação desta “linhagem/escola” e senti algo extremamente poderoso e visceral. Mais tarde, em 2016, fiz a formação de professores de Kundalini Yoga.
Quais os benefícios do Kundalini Yoga para as grávidas, mamãs e futuras mães?
O Kundalini Yoga trabalha os três pilares da nossa existência: corpo, mente e espírito. Para além disto, é uma prática muito completa que inclui respiração, posturas, visualização, mantras, relaxamento e meditação. Atua diretamente no nosso sistema nervoso e endócrino e, por isso, ajuda muito a lidar com as questões do dia a dia, como stress e excesso de informação e estimulação. No caso específico da gravidez, o Kundalini Yoga trabalha o corpo físico, alongando e colocando a energia em movimento, trabalha a respiração consciente e melhora a circulação sanguínea. Além disso, ajuda a grávida a estar mais presente para si e para o bebé e a preparar-se para o parto. Como nos ajuda a fortalecer o sistema nervoso e nos relembra como respiramos, dá-nos ferramentas realmente fundamentais para lidarmos com a parentalidade (cansaço, privação de sono, birras, comunicação entre o casal, etc.).
Afirma que o processo da sua gravidez foi vivido de forma tranquila, feliz, saudável e consciente, e resultou num parto maravilhoso, ativo, natural e empoderado.
As formações até então realizadas e o yoga contribuíram para essa tranquilidade? Em que sentido?
Sem dúvida! Ter informação foi fundamental. Ter-me preparado para a gravidez emocional e fisicamente fez com que estivesse muito segura e confiante. Sentia-me bem, com energia e feliz, mesmo.
O trabalho emocional antes de engravidar fez com que muitas coisas ficassem claras e, no momento da gravidez, não trouxessem desconforto ou sofrimento. Viver a gravidez de forma ativa fez com que o parto também acontecesse de forma muito fluída. Eu sabia para o que ia e queria muito desfrutar do processo.
Sente que existem ainda falhas na informação passada às grávidas?
Muitas, mas não só da informação transmitida às grávidas. Também falta iniciativa de algumas grávidas para terem acesso a esse conhecimento.
No caso de indução do parto, por exemplo, há grávidas que não sabem que uma gravidez pode ir até às 41 ou 42 semanas; que o facto de um bebé ser grande não é, necessariamente, indicação para indução.
[Falta conhecimento de] Coisas tão simples como: é possível parir sem anestesia epidural, mas também que a epidural é útil em alguns casos; que os toques vaginais antes do trabalho de parto (a menos que haja indicação clínica que o justifique) não são necessários; que a minoria das mulheres precisa, de facto, de episiotomia, e não a maioria, como se diz e faz.
Recentemente, lançou um programa de acompanhamento online. Porque sentiu a necessidade de criar um programa de maternidade exclusivamente online?
Porque queria chegar a mais famílias. Nem todas as mulheres reconhecem a importância de ter uma doula, nem estão dispostas a investir num acompanhamento individual. Este programa pretende levar alguma informação e levantar algumas questões e reflexões para que os casais possam tornar a sua gravidez e parentalidade mais consciente e empoderada.
A propósito da frase que acabou de dizer (“nem todas as mulheres reconhecem a importância de ter uma doula”), terá sido essa a maior dificuldade no processo de mudança de carreira e vida: a transição para uma profissão ainda um pouco desvalorizada?
Sim! Oficialmente nem é profissão ainda. Foi um salto de fé, muita perseverança e um sentido enorme de missão.
E como consegue ter disponibilidade para a vida profissional e pessoal, sendo a carreira de doula uma profissão que vive da disponibilidade?
Fora os acompanhamentos de parto (que não acontecem com todos os casais que acompanho), o horário de trabalho acaba por ser gerido por mim. Finais de tarde e fins de semana são uma escolha e conto com muito apoio do meu marido e família próxima. Quando estou de chamada para um parto, é saber que, tudo o resto, passa para segundo plano. Se tiver um casamento e uma chamada de parto, não há dúvida. Como eu sinto que não há outro sítio onde tenha de estar se não ali, é muito fácil gerir. Para a minha família, é com base no respeito e na minha felicidade.
Quanto a dúvidas que surgem a qualquer hora do dia ou noite, vou criando limites e organizando-me para conseguir estar perto e disponível, mas sem me sentir esgotada.
Que conselhos daria às mulheres que querem mudar de vida e carreira, mas que receiam a incerteza que isso poderá trazer?
Que criem um plano de transição. Se a questão do rendimento é importante, que façam as coisas gradualmente, como começar por um part-time, por exemplo. E que façam uma lista das coisas/características em que são únicas e acrescentam valor e, vão lendo com frequência, para se lembrarem do seu valor.