Crianças que presenciam ou testemunham maus tratos devem ser, para sua proteção, consideradas vítimas. Esta é a recomendação da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica ao parlamento, para uma clarificação no Código Penal.
A equipa é coordenada pelo procurado da República jubilado Rui do Carmo. Esta recomendação foi dada depois de um caso de ciolência doméstica em que, após 14 queixas às autoridades, uma professora acabou por ser morta pelo companheiro, em 2016. O assassino foi condenado a 21 anos de prisão.
As 14 queixas que deram início a procedimentos criminais, foram feitas ao longo de 6 anos, tanto pela vítima como por membros da família e da comunidade onde esta se incluía.
Segundo explicou a Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD), todos os inquéritos por agressão foram arquivados, sem consequências para o agressor, à exceção de dois.
A EARHVD considera que a condescendência para com o agressor, a falta de proatividade na investigação criminal e da inconsequência da ação judiciária, resultou que a proteção da vítima não foi conseguida.
O caso envolveu uma criança, neto da professora vitimada, que sempre tinha vivido ao seu cuidado. Vivenciou, portanto, todo o ambiente de violência que culminou com o homicídio da sua figura maternal, quando tinha 13 anos.
Para além dos contactos havidos no decurso dos procedimentos de proteção e promoção dos direitos, primeiro pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens e depois pelo tribunal, não existem referências a qualquer apoio prestado a esta criança.
Não foram promovidas medidas efetivas para preservar a sua segurança ou condições adequadas ao seu desenvolvimento. Esta ausência de intervenção acontece apesar de a vítima ter manifestado reiteradamente as suas preocupações quanto à segurança do neto no contexto do ambiente de violência existente no agregado familiar.
A criança presenciou agressões a que tanto a sua mãe como a avó foram sujeitas, viu objetos e equipamentos que utilizava serem destruídos e foi alvo de ameaças graves por parte deste. Foi testemunha também das agressões que acabaram em homicídio.
Segundo a equipa não só não foram avaliadas as consequências psicológicas destes comportamentos, de que foi vítima, como não lhes foi dada a devida relevância criminal.
4 de dezembro 2020