O diretor da ala de pedopsiquiatria do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, Pedro Caldeira da Silva, afirma, em entrevista à agência Lusa, que este período de permanência nas creches de Portugal confere ao país “um recorde muito triste”, adiantando ainda que “é um dos países da União Europeia em que os bebés ‘trabalham’ mais horas por dia (entre 10 a 12 horas, em média), em grupo e enquanto são cuidados por outros [que não os seus pais ou familiares]”.
De acordo com o especialista, também as crianças com mais de três anos de idade passam cerca de 10 a 12 horas em estabelecimentos pré-escolares, o que pode despoletar stress crónico:
“Um bebé que está numa situação de grupo tantas horas, todos os dias, tem repetitivamente um nível de stress elevado”.
A conclusão surge na sequência da publicação do relatório do “Estado da Educação 2018″ no final de 2019, do Conselho Nacional de Educação.
Exposição contínua ao stress acarreta consequências físicas na vida futura
Estudos mostram que “esta exposição ao stress é tóxica para o cérebro e que está associada a um conjunto de doenças dos adultos”, como a hipertensão, os acidentes vasculares cerebrais, cancro e diabetes, afirma Pedro Caldeira da Silva.
“Estas doenças estão ligadas a acontecimentos stressantes da infância. É uma coisa que já se sabe, embora não se queira tomar conhecimento”, lamenta o médico, que fundou a consulta de “Bebés Irritáveis” e a consulta dos “Bebés Silenciosos”, recursos cujo objetivo é a promoção do diagnóstico precoce da saúde mental na primeira infância.
No hospital pediátrico de referência nacional, Hospital D. Estefânia, já se começa a observar casos de patologias em jovens causadas pelo stress contínuo a que são expostas: “O que se passa de errado com as crianças tem diretamente a ver com tempo de permanência em creches. Isto tem um efeito a longo prazo, manifesta-se mais tarde”.
Creche = Grupos grandes, menos atenção e interação entre pares
“As crianças muito pequenas não têm nenhuma necessidade de ser guardadas em grupo, mas aguentam”. Ainda assim, não é aconselhável que estejam muitas horas em grandes grupos, uma vez que isso diminui as possibilidades de “interação de um para um”, obrigando-as a adaptar-se “a um conjunto de situações do ambiente que não são aquelas para as quais os bebés estão programados”.
O médico adianta ainda que não vê benefícios para a criança em frequentar o ensino pré-escolar ou creche antes dos três anos, salvaguardando, no entanto, que “há crianças que indo para a creche têm oportunidades de estimulação que às vezes as famílias não conseguem conceder”. Contudo, “em geral, as creches não são uma necessidade das crianças, são uma necessidade dos adultos, porque têm de trabalhar”, sublinha.
Atenção a sinais de stress
O mais importante, alega, é que os adultos comecem a prestar atenção “ao bem-estar e às situações de stress crónico das crianças porque começam a aparecer evidências de que isso é importante para uma boa vida adulta”.
Porém, há que ressalvar que o que é bom para a criança nem sempre corresponde àquilo em que os pais acreditam.
“A experiência individual da criança não corresponde muitas vezes àquilo que os adultos imaginam e, portanto, é sempre muito bom olhar para a criança e ver o que se passa realmente com as crianças”, esclarece o psiquiatra infantil Pedro Caldeira da Silva.