O seu filho já lhe disse alguma vez que detesta o seu telemóvel? Todos nós sabemos que passar muito tempo ao telemóvel não é bom. Que os telemóveis são prejudiciais. Somos lembrados disso constantemente por toda a parte.
Contudo, provavelmente a maioria de nós não faz nada para mudar isso. Mas, e se for o seu filho a dizer-lhe que odeia o seu telemóvel? Que lhe descrevesse exatamente como se sente quando na sua presença tem os olhos voltados para o pequeno ecrã?
“Quem me dera que o telemóvel da minha mãe nunca tivesse sido inventado”
Esta história não é muito recente. Aconteceu em 2018, nos Estados Unidos da América, mas é extremamente atual e poderia ter sido em Portugal.
Jen Adams Beason, uma professora primária, tinha pedido aos seus alunos de sete e oito anos que nomeassem invenções que desejavam que não existissem.
Algumas das respostas surpreenderam a professora. “Odeio o telefone da minha mãe e quem me dera que ela nunca tivesse tido um”, foi uma das respostas dos alunos. “Eu diria que não gosto do telefone”, escreveu outro. “Não gosto do telefone porque os meus pais estão todos os dias ao telefone. Um telefone é por vezes um mau hábito”, disse ainda outra criança. A resposta desta criança vinha com o desenho de um telemóvel com uma cruz por cima e uma cara com ar triste que dizia: “detesto-o”.
Jen Adams Beason decidiu publicar o trabalho com o desenho no seu perfil de Facebook.
A publicação tornou-se rapidamente viral e tocou o coração de muitos, incluindo de pais. As partilhas multiplicaram-se e com toda a certeza terá deixado muitos pais a pensarem.
“Isto é triste e culpabilizante”
Os comentários, esses, revelaram uma realidade que todos sabemos existir, mas que pretendemos ignorar.
“Uau! Saiu da boca dos miúdos. Somos todos culpados!”, lia-se num comentário à publicação. “Isto é triste e culpabilizante. É uma grande lembrança para que todos deixemos os telemóveis e nos relacionemos mais com os nossos filhos”, desabafou outro utilizador.
Interessante, foi também a reação de outros professores que viram a publicação. Muitos professores saberão os sentimentos dos seus alunos face ao uso de telemóveis pelos pais. A título de exemplo, uma professora contou que “tivemos uma discussão sobre o Facebook e cada um dos alunos disse que os pais passam mais tempo no Facebook do que a conversarem com o seu filho. Abriu-me muito os olhos”.
Outros pais ainda partilharam a sua experiência com telemóveis e a forma como afetavam o relacionamento com os filhos. Um pai dizia que o seu filho de dois anos de idade reagia de forma negativa ao seu telemóvel. Sempre que estavam a brincar e o telemóvel do pai tocava, a criança já não queria mais estar com o pai após a interrupção. “Aquilo mata-me. Fiz um acordo com mim próprio em como quando estiver a brincar com ele tudo o resto pode esperar”, desabafou.
É claro que o uso dos telemóveis de forma a que perturbem as relações familiares não é exclusivo dos pais. Os adolescentes também se isolam, como se sabe, muitas vezes com o seu telemóvel, em detrimento do convívio familiar. Uma mãe queixava-se que os seus filhos adolescentes preferiam o telemóvel a estarem em família.
Os telemóveis podem criar crianças tristes e pais hostis
Surpreendido? Pois é, o uso indiscriminado de telemóveis pode resultar em crianças tristes e em pais hostis.
É que o uso constante do telemóvel pelos pais faz com que estes interajam menos com os filhos. Consequentemente, os filhos acabam por sentir falta de atenção por parte dos pais. Sentem-se negligenciados, isolados e tornam-se crianças tristes.
E há estudos que demonstram precisamente essa ligação. Um estudo de 2015 que saiu na revista científica Academic Pediatrics, demonstrou que as mães que usam o telemóvel no contexto de uma tarefa estruturada com os filhos interagem menos com eles.
Por outro lado, os pais que usam muito o telemóvel em detrimento de interagirem com os filhos, são mais hostis para com os mesmos. Hostis como? Acontece que as crianças cujos pais dão mais atenção ao telemóvel do que a elas, acabam por tentar chamar a atenção dos progenitores. Em suma, acabam por competir com o telemóvel dos pais pela atenção dos mesmos. E fazem-no através de comportamentos desajustados, queixas, birras e hiperatividade, na tentativa de chamarem a atenção dos pais.
E sim, a ciência comprava-o mais uma vez. É exemplo disso um estudo que saiu na revista Pediatrics, da Sociedade Americana de Pediatria. O estudo analisava o uso de telemóveis pelos pais durante refeições em restaurantes de comida rápida com os filhos. A investigação concluiu que os pais que usavam constantemente o telemóvel reagiam de forma hostil aos comportamentos inadequados dos filhos.
A “tecnoferência” entrou em casa e está a afetar as relações familiares
Adicione este novo “palavrão” ao seu vocabulário: “tecnoferência”. Porquê? É que a tecnoferência consiste na interferência que a tecnologia tem nas relações familiares. E, como vimos, é algo muito frequente nas famílias e preocupante pois pode resultar em filhos tristes, comportamentos desajustados e em pais hostis.
Muito mais poderíamos dizer sobre este tópico e citar muitos mais exemplos pois há muito a dizer. Para si, que está a ler este artigo, quem sabe se no seu telemóvel, se não o consegue largar quando está no parque com os seus filhos, procure dar-lhe algum descanso. Os seus filhos vão agradecer-lhe.
Ah! E não se esqueça que as crianças tendem a imitar os nossos comportamentos e isso pode refletir-se na idade adulta.