O que é e quais as possíveis consequências de uma infeção por citomegalovírus na gravidez?
O citomegalovírus ou vírus citomegálico humano (CMV) é um vírus da família dos herpes vírus transmissível por fluídos corporais contaminados – urina, fezes, secreções respiratórias e vaginais – e por via sexual.
Os sintomas podem ser confundidos com os de outras doenças como uma gripe ou uma infeção na garganta, nomeadamente febre, fadiga, gânglios inchados ou dores de garganta.
Citomegalovírus na gravidez
O que é a infeção por citomegalovírus?
A infeção por citomegalovírus na gravidez inclui-se no conjunto de infeções transmissíveis de mãe para filho durante o período gestacional (designado pelo acrónimo médico TORCH): Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus, Herpes, Sífilis, HIV.
As mais frequentes dão o nome ao conjunto:
T = toxoplasmose,
O = outras,
R = rubéola,
C = citomegalovírus,
H = herpes simples.
Estou a pensar engravidar. Devo fazer o diagnóstico?
Consulta pré-concecional
Se está a planear engravidar, deve marcar uma consulta (a chamada consulta pré-concecional) para realizar uma série de exames para se certificar que está de boa saúde.
Consoante os resultados dos testes, poderá ter luz verde para começar a tentar ou, então, precisar de fazer algum tipo de tratamento e ser aconselhada a aguardar.
Diagnóstico pré-concecional
Para além do diagnóstico do citomegalovírus, a consulta pré-concecional serve para solicitar uma série de testes a doenças e infeções que podem ter impacto na gravidez e no saudável desenvolvimento fetal:
- Fator Rh, para saber se é positivo ou negativo. Se o seu Rh for negativo, o seu companheiro deverá fazer uma análise para ver se é positivo. Se forem ambos negativos, não há necessidade de se preocupar mais com o fator Rh na gravidez;
- Anemia, para saber se tem alguma carência de ferro;
- Rubéola, para determinar se está ou não imune;
- Hepatite B, para determinar se está ou não imune;
- Varicela, para determinar se está ou não imune;
- Prova de Mantoux para despiste da tuberculose;
- Toxoplasmose, para determinar se está ou não imune;
- Tiróide;
- Infeções sexualmente transmissíveis (IST) – sífilis, gonorreia, clamídia, herpes, vírus do papiloma humano (VPH) e o HIV;
- Anticorpos contra o citomegalovírus, para determinar se está ou não imune. Se não estiver imune, geralmente é recomendado aguardar 6 meses para tentar engravidar.
Infeção primária e reinfeção recorrente: o que as distingue?
A infeção por citomegalovírus na gravidez pode ser primária ou recorrente.
A infeção primária é a primeira vez que fica infetada pelo vírus. Na maioria dos casos, não apresenta sintomas e a mulher pode estar infetada e ser portadora do vírus sem o saber. Por isso, é tão importante fazer o diagnóstico antes de começar a tentar engravidar.
Após a infeção primária, o citomegalovírus permanece latente (adormecido) no corpo, sem se manifestar. Quando o sistema imunológico fica debilitado, o vírus pode reativar-se, provocando reinfeções recorrentes.
E se for infetada ou se o vírus ficar reativo durante a gravidez ?
Se fizer a análise ao sangue para despiste do citomegalovírus apenas quando suspeita que está grávida, ao analisar os resultados, o médico consegue distinguir se se trata de uma infeção primária (com possibilidade de ter sido infetada já depois de estar grávida) ou se é uma reinfeção recorrente (quando já estava infetada pelo vírus antes da conceção).
Os riscos para a saúde do bebé são diferentes caso seja infetada pela primeira vez durante a gravidez ou caso já tenha sido infetada há mais tempo (infeção recorrente) e o seu corpo tenha desenvolvido anticorpos para combater a infeção.
Infeção primária (foi infetada pelo vírus depois da conceção)
Caso seja infetada pela primeira vez enquanto está grávida (infeção primária), o risco de infetar o bebé é grande e pode ter consequências graves no desenvolvimento fetal.
Reinfeção recorrente (já estava infetada com o vírus antes de engravidar)
No caso de uma reinfeção recorrente, o risco de transmitir o vírus para o bebé é muito baixo (cerca de 1%), e o risco de complicações para a saúde do bebé é ainda mais baixo.
Citomegalovírus na gravidez: como é transmitida a infeção da mãe para o bebé?
Se a mãe não estiver imune ao citomegalovírus, a infeção pode ser transmitida pela mãe ao bebé:
- Através da placenta, em qualquer momento da gravidez;
- No momento do parto, por contaminação por secreções do colo do útero ou do canal de parto;
- Pela amamentação – no caso de bebés prematuros, caso a mãe seja infetada, recomenda-se a pasteurização do leite materno (Secção de Neonatologia da Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2007).
Quais as consequências da infeção na saúde futura do bebé?
No recém-nascido, a doença manifesta-se como uma sépsis vírica, pneumonite, colite ou hepatite, afeção do sistema retículo endotelial e do sistema nervoso central. A sépsis vírica tem mortalidade elevada podendo chegar aos 30%.
De todos os vírus que podem afetar o feto, o citomegalovírus é o que mais frequentemente provoca atraso mental e constitui a primeira causa de surdez neurosensorial na criança.
Esta surdez pode não ser detetada no rastreio auditivo neonatal universal porque é evolutiva, sendo detetada apenas na idade escolar. Existe também risco aumentado de cegueira cortical, atrofia ótica, cicatrizes da mácula e estrabismo.
À semelhança de outras infeções do feto durante a gestação como a toxoplasmose ou a rubéola, a infeção congénita por citomegalovírus na gravidez, também é uma das causas de microcefalia, isto é, desenvolvimento anormal do cérebro e paralisia cerebral.
Existe tratamento para o bebé durante a gravidez?
Atualmente, ainda não há tratamento in utero para a infeção fetal por citomegalovírus na gravidez. Nas ecografias da gravidez serão tiradas medidas e observadas as estruturas do bebé que podem ajudar a suspeitar de uma infeção fetal:
- Calcificações do sistema nervoso central;
- Hidrocefalia (acumulação de líquido no cérebro);
- Hepatoesplenomegália (aumento do tamanho do fígado e do baço);
- Hidrópsia fetal não imunulógica (anormalidades cardiovasculares, anomalias estruturais fetais).
Para confirmação do diagnóstico, poderá ser feita uma colheita de líquido amniótico por amniocentese (o feto infetado liberta o vírus através da urina sendo este detetado no líquido amniótico a partir da 20ª semana da gravidez).
Se for confirmada a infeção fetal, e de acordo com a lei em vigor, poderá ser proposto ao casal a interrupção terapêutica da gravidez.
Citomegalovírus na gravidez: como prevenir?
Uma vez que ainda não existe vacina, a prevenção é a melhor forma de evitar uma infeção ou reinfeção por citomegalovírus na gravidez, principalmente em mulheres que trabalhem em ambientes de risco (creches, infantários). Algumas medidas são recomendadas:
- Lavar as mãos regularmente e, quando possível esfregar as mãos com álcool em gel;
- Evitar o contacto com os fluidos que transmitem o vírus;
- Usar sempre preservativo masculino de látex colocado corretamente;
- Considerar os riscos associados às tatuagens;
- Não usar objetos pessoais que se possam contaminar com sangue;
- No contacto com crianças com sintomas respiratórios ou similares a gripe, ou erupção de pele ou se a criança tiver menos de 3 anos – lavar as mãos cuidadosamente com água corrente e sabão durante 15 a 20 segundos e, quando possível esfregar as mãos com álcool em gel depois de: exposição aos líquidos corporais da criança e da troca de fraldas; banho da criança, manipular roupa suja da criança e manipular brinquedos e outros objetos da criança;
- Evitar contacto íntimo ou próximo com crianças com sintomas respiratórios ou similares a gripe, ou erupção de pele ou se a criança tiver menos de 3 anos;
- Evitar contacto com a saliva da criança com sintomas respiratórios ou similares a gripe, ou erupção de pele ou se a criança tiver menos de 3 anos no momento da alimentação;
- Evitar trabalhar com crianças com menos de 3 anos de idade;
- Evitar ingestão de água não tratada;
- Os profissionais de saúde e de segurança pública devem tomar sempre medidas de proteção individual e manipular sempre com muito cuidado produtos de sangue, agulhas e outros objetos cortantes.
Bibliografia:
– Protocolos de Diagnóstico e Terapêutica em Infecciologia Perinatal Secção de Neonatologia da SPP – CMV Vírus Citomegálico Humano [http://www.lusoneonatologia.com/site/upload/File/Citomegalovirus.pdf];
– Protocolos de diagnóstico e Terapêutica em Infecciologia Perinatal – Secção de Neonatologia da SPP, março de 2007 [http://www.spp.pt/UserFiles/File/Infecciologia_Perinatal_2007/Infecciologia_Perinatal.pdf];
– Saúde Reprodutiva: Doenças Infecciosas e Gravidez / Direcção-Geral da Saúde – Lisboa Direcção – Geral da Saúde, 2000 – 48 p. (Orientações Técnicas; 11) Saúde Reprodutiva / Doenças Transmissíveis / Gravidez ISBN 972 – 9425 – 84 – 1 ISSN 0871 – 2786;
– Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica de Manuela Néné, Rosalina Marques, Margarida Amado Batista, Carlos Sequeira – LIDEL, Lisboa, 1ª edição impressa: outubro de 2016;
– Medicina Materno-Fetal de Luís Mendes da Graça e Colaboradores – 4ª Edição atualizada e aumentada, junho 2010. Lidel – Edições Técnicas, Lda.