A manobra de Kristeller surgiu em meados do séc. XIX pelo ginecologista alemão Samuel Kristeller, mas as várias controvérsias no que respeita à sua utilização levou a que a Organização Mundial de Saúde (OMS) desencorajasse a sua realização. Tal levou a que alguns países tenham banido esta prática nos partos, sendo, no entanto, ainda realizada noutros tantos. Saiba no que consiste e quais os riscos para a mãe e bebé.
Manobra de Kristeller
Durante a segunda fase do trabalho de parto, que termina com a expulsão do bebé, pode ser necessário ajudar o feto a passar pelo canal de parto, e para isso o obstetra poderá optar por realizar a manobra de Kristeller, algo que a mulher pode dizer que não quer, pois existem outras opções para facilitar o nascimento que não envolvem os riscos que esta manobra acarreta.
O que é e no que consiste?
A manobra de Kristeller é uma técnica obstétrica que consiste em aplicar pressão com as mãos, os punhos ou antebraços no fundo do abdómen da gestante, na parte superior do útero, à medida que a mulher tem a contração e faz força para que o bebé nasça. O objetivo é, portanto, ajudar no nascimento do bebé.
2ª fase do trabalho de parto (período expulsivo)
A 2ª fase do trabalho de parto inicia-se quando a dilação está completa (10 cm) e termina com a saída do bebé. A duração do período expulsivo varia de mulher para mulher e entre gestações.
Durante este período, as contrações uterinas, comprimem o útero de cima para baixo e da frente para trás. As contrações tornam-se cada vez mais intensas e frequentes, com intervalos progressivamente menores até serem separadas por 5 ou 10 minutos.
São estas contrações que empurram o bebé através do canal de parto até que este nasça. Para ajudar a descida do bebé e aumentar a eficácia das contrações uterinas, a mãe executa exercícios de respiração que promovem a contração dos músculos abdominais.
Progressivamente, a vulva entreabre-se, dilata-se lentamente e o bebé vai descendo até ao exterior. É nesta fase final da expulsão que a manobra de Kristeller pode ser realizada.
Se for necessário ajudar o bebé a sair e para evitar lesões do períneo, o obstetra pode ainda fazer um pequeno corte feito na área muscular situada entre a vagina e o ânus (episiotomia).
Riscos associados à manobra de Kristeller
“Esta é uma prática desaconselhada segundo a mais recente evidência científica, relatada como desconfortável e perigosa (OMS, 2018). Atualmente, é um procedimento que se enquadra no âmbito da violência obstétrica (Human Rights in Childbirth, 2015). Geralmente não fica registada no processo clínico da mulher”: pode ler-se numa publicação da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto no seu site.
Violência obstétrica é um termo ainda muito usado em Portugal, comparativamente a outros países europeus, e que tanto diz a muitas mulheres que viram os seus partos serem intervencionados sem necessidade.
Apesar de ser desaconselhada há vários anos, a manobra de Kristeller ainda é praticada em alguns países, inclusive Portugal.
É importante que se frise que existem variadíssimos riscos nesta prática. No caso da mãe, os perigos passam por:
- muita dor e hematomas;
- fraturas das costelas;
- roturas uterinas;
- deslocamento ou inversão uterina;
- roturas musculares;
- roturas no pavimento pélvico;
- sofrer um aumento da tensão muscular (hipertonia materna), que tem repercurssões sobre a vitalidade fetal.
Também o bebé pode sofrer consequências bastante graves na sequência da realização desta manobra, tais como:
- traumatismos e lesões no bebé;
- paralisia;
- afetação dos nervos cervicais;
- diversas fraturas, como da clavícula ou úmero;
- hematomas ou hipoxias devido à falta de oxigénio.
Manobra de Kristeller em Portugal
Como a realização desta técnica não é registada no boletim de saúde da mulher nem do bebé, não existem dados que possam confirmar uma elevada adesão por parte dos profissionais de saúde a este procedimento. Contudo, num estudo realizado entre 2012 e 2015 em Portugal com parturientes, várias foram as mulheres que relataram episódios do uso desta técnica. Além disso, muitas das mulheres apenas conseguiram compreender que tinham sido alvo desta manobra quando procuraram informação sobre a mesma. Sabemos que é ainda uma prática realizada nos hospitais e clínicas por todo Portugal.
Por todos estes motivos, é fulcral que as mulheres tenham conhecimento dos seus direitos, procurando informar-se. Pode ainda ser uma ajuda fazer um plano de parto, tendo sempre a consciência de que existem determinados acontecimentos que podem ter de alterar o que inicialmente foi sonhado e registado. No entanto, não tem de aceitar que lhe façam intervenções sem que haja uma prévia comunicação e explicação do que irá acontecer.
A violência obstétrica ainda existe infelizmente e deve ser denunciada. Se fizer um plano de parto, não o ceda ao hospital sem antes ficar com uma cópia.