A residência alternada não é novidade em Portugal. Cada vez mais nos vamos deparando com um amigo ou familiar separado que vive nesse regime. E é provavelmente o ideal não só para a criança, como também para os pais, quando o divórcio é inevitável. Saiba porquê.
Quando se dá um divórcio, quem sofre mais são os filhos. Não tenha dúvida. Isto porque repentinamente se encontram no meio de conflitos que provavelmente não compreendem. E infelizmente, muitas vezes são usados como arma de arremesso entre os pais. Pior, surge a inevitável questão: com quem vão viver os filhos? Com o pai, ou a mãe? Ou… em regime de guarda partilhada em residência alternada?
Tradicionalmente, os filhos ficavam a viver com um dos pais apenas em caso de separação destes. Isto significa ficarem a viver na maioria do tempo apenas com um dos pais, normalmente a mãe. Os encontros com o outro progenitor eram (ou são) combinados entre os pais ou estipulados pelo tribunal. Mas a terceira, opção, a guarda partilhada com residência alternada, começa a ganhar cada vez mais terreno.
É que, de acordo com os resultados de estudos sobre o tema, a residência alternada parece ser o modelo mais adequado ao bem-estar da criança!
Respondendo à questão formulada no título deste artigo: sim, é a melhor opção ou pelo menos há indicadores nesse sentido. Vejamos um pouco mais.
Em que consiste a residência alternada?
A residência alternada é um modelo de guarda parental em que as crianças com pais separados vivem alternadamente com um dos progenitores, por períodos iguais ou semelhantes de tempo. Na prática, isto significa que a criança passa a viver em dois lares, com dois quartos e com rotinas diferentes. Uma grande vantagem deste modelo é que mesmo após a separação dos pais, a criança continua a conviver com ambos. E isso é extremamente importante para o bem-estar da criança, como verificará mais abaixo.
Vantagens para a criança e ainda para os pais
O divórcio dos pais é uma fase muito dura para a criança. É importante que os pais tenham consciência da importância de continuarem a participar na vida dos filhos. Isto aplica-se a ambos os pais. A residência alternada permite esse contacto e proporciona mais estabilidade à criança. Adicionalmente, estudos confirmam que este parece ser o melhor modelo de vida para a criança após a separação dos pais.
A investigadora sueca Malin Bergstrom confirmou, numa entrevista à RTP, que “em todas as idades, as crianças que, depois da separação, viviam o mesmo tempo com os dois pais sentiam-se melhor do que aquelas que ficavam só com um progenitor, que é quase sempre a mãe”. Esta conclusão foi retirada de estudos efetuados pela investigadora e equipa no âmbito do Elvis Project.
Sobre o Elvis Project
O Elvis Project nasceu em 2011, na Suécia e é liderado pelos investigadores Emma Fransson, Malin Bergstrom e Anders Hjern. Este projeto tem com objetivo geral estudar o modelo da residência alternada em crianças de diferentes idades. A equipa centra-se na relação entre o regime de habitação e o bem-estar das crianças, o seu desenvolvimento e a vida social, bem como as experiências dos pais.
Na Suécia, viver em residência alternada é já bastante comum, pode-se ler no portal do projeto. Anualmente cerca de 50.000 crianças sofrem uma separação dos pais neste país. A maioria dos pais continua a ter guarda partilhada após a separação. Nos anos 80, apenas cerca de dois por cento das crianças com pais separados, viviam em regime de residência alternada. Em 2010, esta percentagem situava-se já nos 30 a 40% .
Noutros países do mundo ocidental, este modelo também se tem tornado cada vez mais comum, graças aos benefícios demonstrados. Na Noruega, Austrália e Reino Unido, cerca de uma em cada dez crianças com pais separados vive neste regime. Nalgumas partes dos EUA a proporção é de cerca de um quinto. E em Portugal este modelo também já não é novidade.
O que dizem os estudos sobre a residência alternada
No âmbito do Elvis Project foram realizados vários estudos para procurar determinar o impacto da residência alternada na vida de 150.000 crianças com pais separados. Este impacto foi comparado com o tradicional regime de ter a crianças a viver maioritariamente apenas com um dos pais. A guarda partilhada revelou que a residência alternada é bastante mais benéfica para a criança. Isto verifica-se especialmente em termos psicológicos.
Numa entrevista à RTP em 2017, Malin Bergson revelou, com efeito, que “o que vimos foi que, em todas as idades, as crianças que, depois da separação, viviam o mesmo tempo com os dois pais sentiam-se melhor do que aquelas que ficavam só com um progenitor, que é quase sempre a mãe”. Segundo a investigadora, estes benefícios manifestaram-se em “crianças do pré-escolar, escolar e também adolescentes”.
Malin Bergson revelou ainda ao jornal britânico Daily Mail que além do maior bem-estar, a residência alternada permite uma maior disponibilidade de recursos financeiros e menos conflitos entre os pais.
Contudo, a residência partilhada não funciona tão bem se houver conflito entre os pais, de a criança não gostar de um dos pais e no caso de os filhos serem adolescentes. Os adolescentes tendem a preferir ter apenas uma residência.
E porque é então mais benéfico para a criança viver com ambos os pais?
Quando os pais de separam, o impacto sobre as crianças é muito duro. Malin Bergston explica que as crianças querem continuar a ser leais a ambos os pais. Se os pais colaborarem conjuntamente, o bem-estar da crianças será maior pois continuam a conviver com ambos.
Adicionalmente, é mais fácil para os próprios pais partilharem a guarda. “Os próprios pais que optam por este modelo também ficam mais satisfeitos do que aqueles que cuidam sozinhos dos filhos ou que perderam o contacto com eles”, indica a investigadora.
Nos casos de perda de contacto com um dos pais, a criança fica com um sentimento de perda. Isto é marcante para a criança. “A criança questiona-se: ‘Porque é que ele já não me ama? Porque é que ele está longe?’, etc.”, afirma Malin Bergston.
Finalmente, a especialista lembra ainda que ser mãe solteira causa muito stress. “Ter de ganhar dinheiro, educar as crianças, equilibrar o trabalho e a família…”. Por isso é mais fácil para os pais partilharem a guarda dos filhos, defende.
Mas…ter duas casas, dois quartos diferentes e viagens constantes não é prejudicial?
A ideia de residência alternada poderá parecer sinónimo de estabilidade para as crianças. Quando questionada sobre este assunto, Malin Bergson explicou que efetivamente, “nos estudos mais tradicionais dizia-se que o facto de as crianças terem de se adaptar a dois ambientes familiares e de estarem em constantes viagens entre um sítio e outro lhes causava stress e ansiedade”.
Contudo, a equipa constatou que “no que toca aos níveis de stress, as crianças são menos ansiosas”. Mais, foi ainda observado que estas crianças estabelecem melhores relações com os pais, amigos e colegas. “Ter os dois pais presentes na vida das crianças é mais importante do que os problemas de logística das deslocações entre uma casa e outra”, defendeu.
A realidade portuguesa: a mãe é ainda a figura central
Ana Gabriela Silva escreveu num artigo do jornal Público que com muitos casais “mal nascem os filhos, o casal perde importância”. Este fenómeno assim se verifica muito nos países do sul da Europa, acrescentou. As mães ainda assumem frequentemente um papel de destaque e os pais ficam num lugar à margem.
“Especialmente no sul da Europa, observa-se ainda uma certa confusão de poderes e papéis, com alianças extremas entre mães e filhos e pais à procura do seu lugar – heranças da nossa história e religião. Quando a separação se dá, muitas mães ainda têm dificuldade de encontrar outros papéis significativos na sua vida e muitos pais tentam viver uma proximidade que não foi suficiente até então”, explica Ana Gabriela Silva.
No caso de separação dos pais, os direitos das crianças vêm em primeiro lugar. Os direitos e não os desejos da criança. “E o direito das crianças e jovens é ter pais que não colocam os seus desejos e guerras acima dos seus filhos”, afirma a psicóloga.
Em muitos casos de separação vê-se “os pais e mães num afã de competição e crianças e adolescentes que não compreendem, nem poderão gerir em meia dúzia de meses, a guerra instalada pela sua posse”, explica.
A realidade pode ser ainda pior: “se acrescentarmos a este campo de batalha, pensões de alimentos, falta de limites e regras por excesso de trabalho e culpas, diálogo a menos e telemóveis a mais, um novo parceiro é visto como um autêntico vilão”, acrescenta.
Continuar a conviver com ambos os pais é fundamental para a criança
Por isso, a cooperação entre os pais separados torna-se muito importante. “Precisamos de pais que estejam disponíveis para se escutarem e partilharem dúvidas”, lembra Ana Gabriela Silva .”E que a educação parental passasse a fazer parte do percurso familiar como é a ida ao pediatra para a consulta de rotina”, sugere.
Malin Bergson defende que em caso de conflito entre os pais, que a criança se mantenha em contacto com ambos. “Independentemente do nível de conflito entre os pais, as crianças ficam melhor num sistema de guarda partilhada do que numa família monoparental”, disse à RTP.
“Um conflito entre os pais é sempre difícil para as crianças, independentemente de onde elas vivam. Mas mesmo que os pais estejam em conflito, é importante que as crianças possam ter a sua própria opinião sobre os dois, e não estarem só em contacto com um deles”, sublinhou.