Cansada de uma visão romântica da maternidade, Susana Almeida decidiu criar o seu espaço para descrever o lado menos cor-de-rosa e floreado da maternidade. Nasceu assim o “Ser Super Mãe é Uma Treta”, onde liberta preconceitos e culpas associadas à maternidade. De entre tudo o que faz, Susana assume que ser mãe da Mariana de 5 anos e do Tiago de 3 anos, é o que lhe consome mais energia.
Que palavra escolheria para se definir enquanto mãe?
Tenho alguma resistência em definir-me enquanto mãe, talvez porque não consiga encontrar uma definição estanque para a mãe que sou. De uma coisa tenho a certeza, não sou a melhor mãe do mundo. Sou a melhor mãe possível em cada momento. Faço o melhor possível em cada momento com as condições que tenho e às vezes o melhor que consigo é errar, ajustar as velas e voltar a tentar.
O que mudou na vida com a chegada dos seus filhos?
Muda tudo, não é? Não podemos fugir desse lugar comum. Os filhos chegam e a nossa vida fica de pernas para o ar. A prioridade deixa de ser o nosso umbigo e passa a ser o umbigo dos nossos filhos. Inevitavelmente, passamos a estar em segundo lugar. E, com isto, não quero dizer que tenho saudades da minha vida antes dos filhos, porque não tenho. Já fui eu sem filhos, agora sou eu com filhos, mas confesso que sinto muitas vezes saudades do silêncio e de dormir, acima de tudo.
Qual é para si o maior desafio na vida de uma mãe?
Não nos deixarmos engolir pela culpa. As mães carregam estupidamente a culpa por todos os males. Desde que o teste de gravidez dá positivo que as mães começam a sentir culpa. Sentem culpa se engordam demais durante a gravidez; se o parto é com ou sem anestesia epidural; se amamentam ou não; se os miúdos começam a andar ou a falar mais tarde que os filhos das amigas; se lhes dão doces e se não têm paciência para fazer papas caseiras; se os deixam ver o telemóvel, para eles estarem sossegados cinco minutos; a escola que escolhem; se os miúdos estão doentes muitas vezes; se fazem birras ou se dormem mal. Tudo é culpa da mãe. Não é, e libertar-nos deste peso dá um trabalho dos diabos.
Conte uma história caricata, que tenha marcado a sua maternidade até agora.
A maternidade só por si é uma história cheia de pequenas histórias caricatas. Mas fez por estes dias um ano que fiz uma viagem de carro sozinha com os meus filhos, do Barreiro à Póvoa do Varzim.
Foi a primeira viagem longa que fiz a conduzir e ainda por cima sozinha com os dois. E guardo três memórias dessa viagem, na primeira paragem ir com eles à casa-de-banho e eles perguntarem aos gritos se tinham que estar ali a ver-me fazer chichi como se em casa não entrassem pela casa-de-banho sem pedir licença; a segunda o meu filho ter tirado os braços do cinto em plena autoestrada e a próxima paragem ficar a mais de dez quilómetros, muito gritei, mas o raio do miúdo não quis saber, quando parámos levou um ralhete a que não ligou pevide e apertei o cinto o mais que consegui para o resto da viagem e para terminar; a duzentos metros do destino, depois de passar a viagem a queixar-se de dores de barriga a minha filha vomitou. Cheguei ao destino com os nervos esfrangalhados e com o carro todo vomitado.
Em que momento decidiu criar o Ser Super Mãe é Uma Treta?
As redes sociais mostravam repetidamente a mesma coisa: mães perfeitas e filhos perfeitos. Por todo o lado os filhos eram o melhor do mundo, uma bênção, todas repetiam que um dia íamos ter saudades, que não nos podíamos esquecer de abraçar os filhos, de dar colo e aquele maravilhoso faz parte e por eles todos os sacrifícios são pequenos. Só podiam estar a gozar comigo. Então e as birras, o cansaço, a privação do sono, a vontade de atirar os filhos pela janela, quando nos respondem torto, as opiniões que não pedimos, o raio da culpa que se cola a nós, a dificuldade em existir para além dos filhos, os dedos apontados por quem sabe sempre melhor que nós como educar os nossos filhos? Decidi criar o blog “Ser Super Mãe é Uma Treta”, quando me cansei desta visão cor-de-rosa da maternidade que serve apenas para encher as mães de culpa e de expectativas irreais.
Como descreveria o Ser Super Mãe é Uma Treta, para quem não o conhece?
Escrevo sobre o lado mais negro da maternidade. E escrevo como penso, sem filtros, sem paninhos quentes ou floreados e com os nervos à flor da pele. Ao expor a minha visão sem o peso da culpa ou das expectativas dos outros, dou a mão às outras mães dizendo-lhes que podemos dizer que estamos cansadas, que os miúdos às vezes são parvos, que não aguentamos nem mais uma birra e que não faz mal deixar os miúdos com os avós e ir namorar.
E que podemos dizer isto tudo sem acrescentar no fim: “mas os filhos são o melhor do mundo”. Todas sabemos que os filhos são o melhor do mundo, que daríamos um rim por eles se fosse preciso. Mas a maternidade também nos esmaga e às vezes o melhor do mundo é que eles adormeçam rápido, para nos sentarmos no sofá a beber um copo de vinho em silêncio.
Uma coisa boa e uma coisa menos boa que o Ser Super Mãe é Uma Treta tenha trazido.
A melhor tem sido encontrar tantas mães e mulheres que se identificam com o que escrevo no “Ser Super Mãe é Uma Treta”. Que partilham comigo esta visão da maternidade e que se sentem menos sozinhas num espaço que dá voz ao que por vezes não conseguem verbalizar. As reações negativas, que a bem da verdade não têm sido muitas, não me afetam. Muito pelo contrário, uso-as como inspiração. Revelam sempre muito sobre as pessoas tóxicas que gravitam à volta de uma mãe e que precisam de ser expostas.
Que conselho gostaria de deixar a quem está prestes a ser mãe?
Todas as pessoas que conhecem, desde a vossa mãe à vossa vizinha, passando pela vossa sogra e pela colega de trabalho que não suportam, vão saber melhor que vocês como educar os vossos filhos. E não vão hesitar em dizer-vos isso. O meu conselho é que aprendam rapidamente a fazer um belo sorriso amarelo, enquanto as mandam à merda na vossa cabeça.
Obrigada Susana!