Incontinência urinária: um assunto ainda considerado embaraçoso, sobre o qual se evita falar em pleno século XXI. Apesar de se calcular que afete cerca de 50% (!) da população feminina, não se ouve ninguém mencionar que sofre de incontinência urinária, ao contrário da diabetes de tipo 2 ou da hipertensão. Porquê? A resposta é simples. Porque a vergonha e o desconhecimento sobre este assunto não o permitem.
Acontece que a incontinência urinária não é um problema dos muito idosos ou das mulheres no pós-parto. A verdade é que a incontinência urinária pode afetar mulheres (e homens) de qualquer idade, mesmo as jovens
Já se deu ao trabalho de ir visitar a dimensão da secção de produtos para a incontinência urinária no seu supermercado? Nós já e o que vimos foi muito revelador…
Se sofre de incontinência urinária feminina e acha que não há nada a fazer, este artigo é para si.
O que é a incontinência urinária?
Segundo a International Continence Society (ICS), a incontinência urinária consiste na perda involuntária de urina. Esta patologia afeta cerca de 35% das pessoas com mais de 60 anos.
No entanto, a sua prevalência é duas vezes superior nas mulheres, calculando-se que afete cerca de 50% da população feminina, como vimos . A prevalência aumenta com a idade e se calhar por isso temos a ideia coletiva que é um problema da população muito idosa.
Que tipos existem?
A incontinência urinária feminina poderá suceder em mulheres com idade superior a 20 anos, não grávidas, variando entre 25 e 45%. A perda involuntária de urina pode ser dividida em três tipos principais:
Incontinência urinária de esforço
A perda involuntária de urina sucede quando se ri muito, se dá um espirro, tosse, um passo dado em falso ou outros esforços. É o tipo mais comum porque apresenta uma prevalência de 10 a 39% dos casos.
Incontinência urinária de urgência
Quando a perda involuntária de urina sucede juntamente com uma vontade súbita e urgente de urinar. Este tipo é o menos frequente, afetando entre 1 e 7% das mulheres com incontinência urinária.
Incontinência urinária mista
Quando se experiencia a perda involuntária de urina em ambos os contextos anteriores. Abrange 7,5 a 25% dos casos, sendo o segundo tipo mais comum.
A perda involuntária de urina pode ainda suceder durante as relações sexuais, nomeadamente durante a penetração e orgasmo. Calcula-se que este tipo de incontinência afete cerca de um terço da população feminina. Este pode levar à disfunção sexual pois a mulher pode retrair-se devido ao medo de suceder uma perda de urina.
Pode ainda ocorrer sem que a paciente se aperceba ou noutros contextos diferentes.
Quais são os fatores de risco?
Existem fatores, modificáveis e não modificáveis, que podem aumentar o risco de perder urina de forma involuntária. Alguns deles são:
Idade
Como vimos acima, a incontinência urinária tem tendência a aumentar com a idade, embora não seja um fator isolado para a sua prevalência. Em alguns estudos referidos no Consenso Nacional sobre Uriginecologia, com mulheres não grávidas, cerca de 3% de mulheres com idade inferior a 35 anos sofriam deste problema, 7% entre os 55 e os 64 anos e 38% acima dos 65 anos. Vários estudos demonstram um pico na prevalência na menopausa.
Obesidade
Segundo a fonte anterior, este é o fator de risco mais claramente associado à perda involuntária de urina. As mulheres obesas têm um risco 3 vezes superior em relação às mulheres não obesas.
Gravidez e parto
Durante a gravidez, existe uma predisposição para a incontinência urinária, com o aumento da sua prevalência ao longo dos diferentes trimestres.
As mulheres que tenham tido um parto vaginal são as mais propensas a sofrerem de incontinência urinária de esforço. Nas mulheres com parto por cesariana, o risco é semelhante ao das mulheres que nunca deram à luz. A idade materna no primeiro parto, bem como o peso do recém-nascido poderão ser ainda fatores de risco para este problema.
O aumento do número de partos é ainda um fator de risco para a incontinência urinária e prolapso dos órgãos pélvicos.
Exercício físico de grande impacto
O risco de incontinência urinária de esforço pode aumentar em atividades físicas como correr ou saltar. Por outro lado, há estudos que sugerem que exercício de baixo impacto poderá exercer um efeito protetor sobre o risco da mesma.
Histerectomia
A histerectomia pode estar relacionada com o aparecimento de sintomas de incontinência urinária, provavelmente devido à perda do suporte do pavimento pélvico.
Outros problemas de saúde
Ter diabetes, depressão, sofrer um acidente vascular cerebral (AVC), a incontinência fecal e a radioterapia poderão ainda contribuir para um maior risco da perda involuntária de urina. Adicionalmente, problema como dificuldade na marcha, infeções urinárias recorrentes e sintomas urinários na infância, incluindo enurese (micção durante o sono), apresentar um défice cognitivo ou demência aumentam o risco de incontinência urinária de urgência.
O que causa a incontinência urinária reversível feminina?
As causas da incontinência urinária reversível, ou seja, que é recuperável, podem ser várias, como por exemplo:
- Infeção urinária sintomática
- Vaginite atrófica
- Toma de certos medicamentos, como diuréticos, calmantes, antidepressivos e outros
- Depressão profunda
- Ansiedade
- Aumento excessivo da excreção (ex. insuficiência cardíaca, diabetes, etc.)
- Problemas de mobilidade
- Obstipação grave
Diagnosticar a incontinência urinária
A incontinência urinária é diagnosticada numa consulta médica, mediante um questionário e um exame físico.
O uriginecologista deverá fazer perguntas sobre a história clínica da doente para esclarecer os sintomas, a sua gravidade e grau de interferência na qualidade de vida.
Por outro lado, o exame físico é invasivo. Este exame é ginecológico e destina-se a avaliar, entre outros aspetos, os músculos do soalho pélvico, a uretra e a demonstração da incontinência urinária de esforço. Esta última é medida através do “teste da tosse”, também conhecido como “stress test”.
Finalmente, em alguns casos poderá ainda ser pedido à doente uma análise à urina, um “diário miccional”, ou seja, um registo diário das vezes em que a doente urina, e ainda o teste do penso ou “PAD test”. Este último destina-se a doentes que não se consegue dados objetivos em relação à perda involuntária de urina.
Tratamentos
Após o diagnóstico, o uriginecologista irá recomendar o tratamento mais adequado.
Alterações no estilo de vida
Efetivamente, existem várias mudanças que se pode fazer no dia-a-dia e que poderão ajudar a minimizar a incontinência urinária. Estas incluem:
- Perda de peso
- Exercício físico moderado
- Deixar de fumar
- Suspender o consumo de cafeína
- Tratar a obstipação
Exercícios dos Músculos do Pavimento Pélvico
Estes exercícios destinam-se a melhorar a força dos músculos do soalho pelvico, endurance, resistência, relaxamento ou uma combinação de todos.
São recomendados a mulheres de todas as idades e com qualquer tipo de incontinência urinária. Conhece os exercícios de Kegel?
Biofeedback
É um complemento aos exercícios aos músculos do pavimento pélvico. Esta técnica permite a visualização da contração muscular, corrige a utilização errada dos músculos abdominais, das nádegas e coxas. Pode ainda melhorar a intensidade, duração e rapidez da contração dos músculos do soalho pélvico.
Cones Vaginais
Á semelhança dos exercícios, o uso de cones vaginais tem como objetivo o fortalecimento progressivo dos músculos do soalho pélvico. Cada cone deve ser introduzido na vagina e ser mantido pelo menos durante um minuto, enquanto a doente se mantém em pé ou se movimenta.
Estimulação Elétrica
Este tipo de tratamento tem como objetivo aumentar a perceção pela doente das contrações dos músculos pélvicos e melhorar a função dos mesmos. É usada através de programas variados de eletroestimulação.
Aplicação vaginal de estrogénios
A aplicação vaginal de estrogénios está adequada a mulheres na peri ou pós-menopausa com IU e atrofia vaginal. É aconselhado o uso de creme, gel ou comprimido vaginal e o benefício do tratamento pode demorar 3 meses até se manifestar.
Medicação
Se as medidas anteriores de tratamento não forem eficazes, tanto as alterações no estilo de vida, como os exercícios, o médico poderá então recomendar a toma de medicação.
Cirurgia
Em relação a esta opção, tem havido uma grande evolução o sentido de serem praticadas cirurgias minimamente invasivas. As opções, dependendo do tipo de incontinência urinária são várias e o médico recomendará a que considera mais adequada ao caso de cada doente. Exemplos: slings pubo-vaginais, cistoplastia de aumento, slings da uretra média, radiofrequência
laser, células estaminais, etc.
Um assunto que continua a ser tabu
A incontinência urinária é um problema sério que pode afetar significativamente a qualidade de vida de quem a sofre. Aliás, o dia 14 de março é o Dia da Incontinência Urinária, sabia?
Existe também uma especialidade médica especialmente dedicada à incontinência urinária nas mulheres, conhecida como Uriginecologia. Se analisarmos este termo, vemos que esta especialidade médica alia o conceito de Urologia com o de Ginecologia. No portal da APNUG pode encontrar informação útil e acessível sobre a incontinência urinária.
Pretendemos com este artigo sensibilizar e informar as mulheres sobre este problema que tem tanto de íntimo, como de comum e natural. Falamos abertamente sobre ele aqui para que deixe de ser alvo de vergonha, para passar a ser sinónimo de ação por parte de quem o sofre.
Baseámo-nos em informação de autoridades em Portugal sobre este assunto, a Sociedade Portuguesa de Ginecologia. Consultámos o livro Consenso Nacional sobre Uriginecologia publicado pela mesma sociedade, como base para este artigo.
Consultámos ainda o portal de uma associação dedicada a esta especialidade em Portugal, a Associação Portuguesa de Neurologia e Uriginecologia (APNUG).
Fontes: Sociedade Portuguesa de Ginecologia, Associação Portuguesa de Neurologia e Uriginecologia, International Continence Society, Consenso Nacional sobre Uriginecologia (publicaçãoda Sociedade Portuguesa de Ginecologia)
A informação presente neste artigo não pretende, de qualquer forma, substituir as orientações de um profissional de saúde ou servir como recomendação para qualquer tipo de tratamento. Assim sendo, perante qualquer incómodo, aconselhamos que se desloque ao seu médico assistente a fim de obter o diagnóstico e tratamento adequado.