A história é no mínimo emocionante. Conta a luta de Elisângela, uma grávida com Covid-19, em coma e ventilada que deu à luz numa situação clínica muito crítica e sobreviveu, graças a uma extraordinária e dedicada equipa médica.
Esta é também a história do bebé Neves, que nasceu prematuro nas circunstâncias mais adversas e sobreviveu. É também a história de Adalberto, pai e marido dedicado, que durante um mês e meio nunca perdeu a esperança de voltar a ver a mulher e conhecer o filho.
O que vamos relatar é tão raro a nível mundial que os médicos envolvidos estão agora a preparar um artigo científico, para que possa ser usado como exemplo noutros países.
Grávida, com Covid-19, em coma e ventilada…e com ECMO
Elisângela, de 31 anos, contabilista, estava grávida quando foi infetada com o vírus Covid-19. Adalberto, o marido, de 33 anos, tinha contraído o vírus depois de ter ido comprar um medicamento para um amigo que estava doente. Descuidou-se e entrou na casa do amigo sem máscara, onde foi infetado.
Grávida de 27 semanas e saudável, Elisângela viu, no entanto, o seu estado de saúde deteriorar rapidamente, e foi internada no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures. Os sintomas pioraram, ela foi transferida para os Cuidados Intensivos onde foi entubada e ventilada e entrou em coma.
No dia 7 de novembro, a grávida foi transferida para o Hospital Santa Maria. Dois dias após a transferência para os Cuidados Intensivos daquele hospital, os médicos aperceberam-se que o ventilador não era suficiente. Foi portanto decidido ligá-la a um aparelho de ECMO (Extracorporeal membrane oxygenation). Esta máquina exerce a função do coração e dos pulmões de oxigenação, retirando-lhe o dióxido de carbono.
Grávidas e tentantes: é seguro tomar a vacina contra a Covid-19?
A literatura científica relata apenas cerca de cinco dezenas de casos em todo o mundo de grávidas que foram ligadas a um ECMO. Contudo, falamos de tempos pré-Covid-19 e em etapas diferentes da gestação.
A equipa pretendia, com a ECMO prolongar a vida da doente, conseguir tratar a pneumonia e recuperá-la até ao momento do parto. Contudo, se o estado de Elisângela se agravasse, podia ser necessário efetuar uma cesariana de urgência.
Uma decisão arriscada e difícil
Perante o cenário crítico da doente, uma equipa de cerca de oito médicos reunia-se todos os dias para discutir a evolução do mesmo. O problema é que quanto mais prematuro o bebé nascesse, maior a probabilidade de sequelas.
Contudo, a situação da grávida piorava. Apresentava pré-eclâmpsia, septicemia e dificuldades de coagulação. Uma cesariana punha a mãe em risco de hemorragia fatal pois a contagem de plaquetas mostrava que estavam a baixar acentuadamente. As plaquetas são fundamentais para formar coágulos e controlar uma hemorragia perante uma incisão cirúrgica.
E depois, a ECMO piorava ainda mais o risco de não sobrevivência da mãe e bebé.
A pressão era diária para terminar a gravidez. Era preciso, pois, tomar uma decisão rapidamente. A 18 de novembro, decidiu-se então proceder com a cesariana.
Uma cesariana muito arriscada
“Com tanta gente envolvida, é quase como se fosse uma orquestra: o maestro é muito importante, mas quando a sinfonia começa todos os instrumentos têm de estar a postos”, disse a anestesiologista Filipa Lança, que participou na cirurgia, ao jornal Observador.
Só para mover a doente para o bloco cirúrgico, foi preciso uma hora, para um trajeto de deveria demorar menos de 10 minutos. Foram necessários sete profissionais para transferir a doente da cama para a marquesa. Isto foi devido à parafernália de, tubos, fios, agulhas e máquina de ECMO ligados ao corpo de Elisângela.
Menos de 10 minutos após a incisão o bebé foi retirado da barriga da mãe e entregue aos cuidados de duas enfermeiras. O bebé nasceu com boa frequência cardíaca, um pouco rosado e a pesar 1,044 quilogramas. Foi imediatamente reanimado, entubado, ligado a um ventilador. Posteriormente foi transferido para uma incubadora.
O resto da cirurgia durou cerca de uma hora e meia. Tal como a equipa médica temia, a mãe sofreu uma hemorragia, mas finalmente foi possível travá-la. A cirurgia tinha corrido bem e o bebé estava bem.
Foi com alívio da equipa que Elisângela, ainda em coma, foi transportada de volta para os Cuidados Intensivos. O alívio dos clínicos não era, contudo, total pois a doente continuava em risco de vida.
O bebé Neves
Entretanto, estando a Elisângela em coma, o bebé Neves ficou na incubadora ao cuidado de duas enfermeiras. As enfermeiras decidiram enviar fotografias e mensagens, em nome do bebé, ao pai Adalberto, que ficou muito emocionado. “Olá papá, portei-me muito bem e decidiram que já não preciso de tubinho para respirar. (…) Já respiro quase sozinho.”, lê-se numa mensagem divulgada pelo jornal Observador.
Entretanto, o bebé Neves, assim chamado pois Adalberto queria esperar que a mulher despertasse para decidirem ambos o seu nome, deixou de necessitar de oxigénio e aumentou de peso.
O despertar de Elisângela
Após a intervenção cirúrgica, Elisângela manteve-se ainda 12 dias ligada à ECMO. Depois disso, foram-lhe gradualmente retirando os sedativos. Nádia Santos enfermeira que tratava da doente decidiu fazer um vídeo com o som do bebé a chorar, colocando-o junto à cama da mãe, na esperança de a ajudar a despertar do coma.
Quando acordou, a primeira coisa que fez foi procurar a barriga. Depois apercebeu-se que lhe faltava alguma coisa. Não associou imediatamente as fotografias do bebé Neves, que a rodeavam, ao seu bebé. Mais uma vez, a equipa clínica foi extraordinária. Decidiram fazer uma videochamada para que a mãe pudesse ver o bebé. Foi um momento muito emocionante para todos.
“Foi um balão de ar. Deu-me mais força para continuar a lutar”, recordou Elisângela ao jornal Observador.
Elisângela teve finalmente alta a 17 de dezembro, conseguiu sair do hospital pelo próprio pé e pode passar o Natal com a família. O bebé Neves teve alta a 8 de janeiro. Entre a admissão da mãe no Hospital de Santa Maria, em situação crítica, e o dia de alta do bebé, passaram dois meses e um dia.
15 de janeiro de 2021