A gravidez representa uma mudança significativa na vida da mulher. Encontra-se associada a uma fase positiva, de alegria e de grande emoção, mas, também, de muitos desafios.
Esta transição para a maternidade representa uma reviravolta nas rotinas e nos papéis, com novas responsabilidades e competências necessárias para cuidar de um bebé. O período perinatal representa uma maior vulnerabilidade psicossocial, com as mulheres mais suscetíveis a variações de humor, preocupações, medos, ansiedades e dúvidas. É uma fase de verdadeiro turbilhão emocional.
“Há que ter um cuidado especial no que diz respeito à mulher e futura mãe – especialmente de primeira viagem -, pois vai passar por diversas alterações psicológicas, hormonais, físicas, fisiológicas e sociais. Mais ainda, existe uma grande pressão social, cultural – e, por vezes, familiar – sobre a mulher no período que é a gravidez. Para além de ter que ser uma mãe perfeita, este deve ser um momento de felicidade, uma verdadeira bênção, pelo que as mulheres devem suportar todas estas mudanças «sem se queixarem». Tudo isto está errado. A gravidez não tem, nem deve significar isto”, explica Mariana Coelho, Psicóloga Clínica e da Saúde.
Estas são apenas algumas das razões que nos levam, muitas vezes, a ouvir falar de distúrbios de humor ou depressões durante a gravidez ou após o parto. Aliás, estima-se que entre 10 a 20% das mulheres sofrem de depressão pós parto, sendo que muitos destes casos manifestam-se ainda durante a gravidez e não chegam a ser diagnosticados.
A pressão para estar feliz e ver a gravidez como uma bênção
Inês Gavim, 28 anos, confessa que ser mãe nunca foi um objetivo de vida. Fez sentido quando alcançou alguma estabilidade profissional e por medo de um dia se arrepender de não ter filhos. Quando soube que estava grávida, sentiu um misto de emoções: alegria, mas, maioritariamente, medo. Durante a gravidez nunca se sentiu feliz, pelo contrário. “Sentia-me triste, sozinha e muito ansiosa, com medos e inseguranças. Sentimentos de culpa por não me sentir feliz porque só ouvia que a gravidez era uma fase maravilhosa da mulher e que tinha que estar feliz”, conta.
Para além disso, Inês nunca sentiu a ligação com o bebé “de que toda a gente falava”. E questionava-se, frequentemente, se a iria sentir quando o filho nascesse. Não partilhou com os médicos que a acompanhavam como se estava a sentir por achar que não iam perceber. “Eu é que estava mal; eu é que tinha de lutar contra isso”. Acabou por falar com o companheiro, que não compreendeu a complexidade do que sentia.
O bebé nasceu saudável, mas o primeiro mês foi de difícil adaptação. As novas responsabilidades e a privação de sono resultaram numa apatia extrema, tristeza profunda, choro constante, culpa e incapacidade.
“A depressão pós-parto é uma séria e significativa doença de saúde mental. É uma depressão unipolar que se desenvolve no início do pós-parto ou nas primeiras semanas após o parto. Pode já estar presente durante a gravidez e acentuar-se no parto”.
Mariana Coelho, Psicóloga Clínica e da Saúde
“Maternidade não é um estado de felicidade constante”
“Muitas vezes, dar à luz significa ficar no escuro”, refere Mariana Coelho. Todas as mulheres experienciam a gravidez de forma diferente e os bebés são, igualmente, todos diferentes. As experiências de amamentação, por vezes, também são duras.
No fundo, “a maternidade não é um estado de felicidade constante nem o instinto maternal de cuidar tem necessariamente que surgir” e é urgente passar esta mensagens. “Não há que ter sentimentos de ineficácia, culpa, fracasso ou incapacidade no papel materno nem depender de crenças culturais”, acrescenta.
A fase de gravidez também foi experienciada com alguns altos e baixos por Catarina Gomes. A investigadora de 30 anos começou a sentir grandes oscilações de humor por volta da oitava semana de gestação, em simultâneo com enjoos e cansaço extremo. “Estes primeiros sintomas foram bastante debilitantes, não conseguia trabalhar, não tinha energia nem vontade ou capacidade para fazer nada nem para socializar”, conta.
“A maior parte das pessoas não compreendia isto nem certos comportamentos meus. Os médicos interpretaram como algo normal, que iria eventualmente passar. O certo é que passei por períodos muito complicados que me fizeram questionar várias vezes se engravidar teria sido uma boa decisão”.
À semelhança de Inês, também Catarina teve dificuldade em ligar-se ao bebé, mas, “felizmente, fui medicada e senti melhorias por volta das 14/16 semanas, já no segundo trimestre. A severidade dos enjoos foi diminuindo, a energia voltou lentamente e o humor estabilizou”.
Não ter medo nem vergonha de pedir ajuda
Depois desta experiência, Catarina defende que as mulheres devem ter uma boa rede de apoio, especialmente no período inicial da gravidez por haver uma fragilidade emocional muito grande. “É necessário que o/a companheiro/a, família e/ou amigos estejam cientes do que pode advir de uma gravidez. Para além disso, a equipa médica deve ser capaz de perceber os sinais de alarme e ajudar aquela grávida em específico, uma vez que cada mulher tem necessidades diferentes”.
Foi pela insistência da família que Inês Gavim acabou por procurar ajuda psicológica e psiquiátrica, sendo diagnosticada com depressão pós-parto, apesar de a mesma já se ter manifestado durante a gravidez. Hoje, tem noção que, se tivesse partilhado abertamente como se sentia na altura da gravidez, haveria formas de controlar a situação.
Segundo a psicóloga Mariana Coelho, “a vergonha e os sentimentos de culpa continuam a impedir muitas mulheres de procurar apoio, pois há uma pressão muito grande e um preconceito de que se estás gravida, estás feliz”. Porém, “nem tudo é como nos é pintado”.
As depressões podem surgir “sem motivo aparente, em mulheres que sempre tiveram uma saúde mental funcional”. Podem significar depressões crónicas com origem na gravidez, depressões que se desenvolveram na gravidez ou recaídas/depressões devido às alterações hormonais associadas ao parto (o chamado “baby blues” que pode prolongar-se até 4 semanas após o parto).
Estado afetivo alterado e ansiedade são fatores de risco durante a gravidez. A prevenção está no acompanhamento médico e na qualidade da relação familiar e conjugal (quando existe).
Entre outros sintomas, as mulheres enfrentam estados depressivos associados a choro frequente, irritabilidade, dificuldades inerentes ao papel materno e à presença do próprio bebé, cansaço extremo, alterações de sono, ansiedade, tristeza, dificuldades de memória e concentração, sentimentos de culpa e fracasso e falta de autoestima. Pode não haver conexão afetiva imediata com o bebé ou até uma excessiva preocupação com os cuidados do recém-nascido, e muitas vezes, estes episódios são despoletados “por não haver sistema familiar de suporte”.
Acompanhamento médico e apoio familiar é fundamental
A psicóloga reforça que é essencial existir um acompanhamento médico próximo durante toda a gravidez, em que a esfera emocional também é tida em conta, especialmente quando estamos perante variações de humor e históricos psiquiátricos.
Para mulheres com histórico de depressão, o ideal é iniciarem o mesmo tratamento na gravidez ou no pós-parto. “Muitas mulheres preferem a psicoterapia cognitiva comportamental em vez de medicação especialmente se estiverem a amamentar, apesar de sabermos que há medicação antidepressiva eficaz sem afetar a mãe ou o bebé”.
No pós-parto, as mães têm a responsabilidade de cuidar de um recém-nascido, mas também delas próprias. O descanso é fundamental e não devem existir regras – apenas o que melhor funcionar para a mãe e para o bebé. É importante delegar tarefas e, acima de tudo, desmitificar a ideia de que as coisas têm de ser feitas de determinada forma, lembrando que “as dúvidas vão sempre existir, fazem parte do processo de ser mãe”.
Partilhe sempre as suas dúvidas, medos e incertezas. Fale com outras mães, com o seu médico ou psicólogo e com a sua família. A solução nunca passa por guardar para si o que está a sentir.