Atualmente, vivemos numa sociedade que está programada para mostrar e exibir a perfeição. Este mundo perfeito chega-nos, sobretudo, através das redes sociais e da televisão e leva-nos a uma busca constante desses valores para replicar na nossa vida. Mas a educação que tivemos também tem impacto nos padrões educacionais que vamos implementar com os nossos filhos.
É cada vez mais notório que as crianças também são influenciadas por esta visão perfeita, principalmente a nível de comportamentos e desempenho escolar. Este peso de existir sem falhar – que, muitas vezes, é inconscientemente motivado pelos pais, ou pode já retratar uma característica da criança – pode ter consequências no futuro dos mais pequenos.
Os níveis elevados de perfecionismo e, consequentemente, a baixa tolerância à frustração, podem trazer sofrimento por sentirem que não estão a alcançar os padrões que colocaram para si próprios – já que são padrões irrealistas por remeterem para a perfeição.
Para a psicóloga Rita Rendas, é importante educar para a imperfeição e tudo começa na forma como lidamos com a falha. “Se a criança aprender que falhar faz parte do processo de aprendizagem e de crescimento, vai encarar a falha de forma completamente diferente, pois não ficará posta em causa”. Todos nós falhamos e “é no erro que reside a oportunidade de melhorar e crescer. É assim que a criança deve ver o erro e não como algo que a deixa em modo passivo, com culpa ou com raiva”.
“Há que saber conter a criança quando erra, desmistificar o significado de errar e acolher a criança com afeto e assertividade para a tornar ativa no seu processo de aprendizagem e de desenvolvimento.”
Rita Rendas
O peso da perfeição no desenvolvimento das crianças
O perfecionismo é o maior inimigo dos pais e das crianças. Esta necessidade constante de atingir a perfeição, leva muitas crianças a desenvolverem um medo de errar e, assim, deixam de tentar e até mesmo de participar nas atividades da escola, por exemplo.
“Há crianças mais pequenas que se vê claramente o perfecionismo pela necessidade constante de se justificar, de serem os primeiros a terminar a tarefa por sentirem que só assim serão os melhores ou até se tiverem o comportamento de estar constantemente a apagar e refazer por sentirem que nunca está bem o suficiente”. Tudo isto acaba por interferir no seu desempenho escolar, no seu desenvolvimento e na sua autoestima”, explica a psicóloga.
Enquanto pais, é normal desejar que o nosso filho seja o melhor mas, muitas vezes, “não nos apercebermos que lhes colocamos esse peso em cima”.
Porém, Rita Rendas clarifica que “uma coisa é desejar que a criança seja a melhor que souber ser, outra é não aceitar como suficiente aquilo que ela nos dá”. Como tal, é crucial estarmos atento e adotar uma postura de aceitação e não nos zangarmos se a criança não corresponder às nossas expetativas.
Valorizar o processo e o esforço
Mas é muito difícil fazer “reset” para educar para a imperfeição, porque todos temos os nossos próprios padrões e as nossas histórias. “A psicoterapia pode ajudar à consciencialização dos adultos dos seus padrões comunicacionais e de vinculação, a resposta que dão perante a falha, como reagem quando se zangam com a criança, que tipo de castigos aplicam e se estes vão contribuir para o desenvolvimento da criança ou se, pelo contrário, vão obstaculizá-lo”.
Rita explica, por exemplo, que muitos pais ficam em silêncio ou adotam uma postura fria para com os filhos quando se zangam, o que pode ser um comportamento “bastante agressivo” que está a ensinar à criança que as suas falhas “podem fazer com que perca o amor do adulto” e, crescer com essa associação, pode ser “perigoso e transformar esta criança num adulto com extrema dificuldade em gerir a zanga por a associar à perda”.
Para além disso, os pais devem tentar compreender que tipo de situações ou comportamentos geram angústia na criança e como ela lida com esse sentimento. Lembre-se que não deve desvalorizar as emoções da criança, “mas sim validá-las e acolhê-las para que a criança se sinta segura em partilhar seja o que for consigo”.
E falamos de valorizar não apenas os sentimentos positivos, mas, principalmente, a raiva e a tristeza. “Educar a criança para o facto de que existem estas emoções e são fundamentais e precisam de ser ouvidas e verbalizadas para as conseguirmos gerir de forma saudável e não de ignorá-las”.
Educar para a imperfeição: qual o impacto para o futuro das crianças?
Esta educação vai contribuir para “gerações mais capazes de lidar com a frustração, com menos medo de falhar e, por isso, mais capacitada de saírem da zona de conforto, com maior autorregulação e, posteriormente, com mais competência de gestão emocional e de comunicação”.
Para além disso, esta forma de pensar e educar trará vantagens para as relações, permitindo às crianças identificar mais facilmente as “relações tóxicas e impondo limites para que não sejam alvo deste tipo de relacionamentos nocivos. E promove, ainda, uma postura ativa perante conflitos ou situações problemáticas, capacidade de ir além, experimentar coisas novas e de pensar fora da caixa”, acrescenta Rita Rendas.
Quanto mais conscientes dos seus comportamentos e da importância de educar para a autonomia, criatividade, tolerância à frustração e imperfeição, mais fácil será de adotar uma postura que permita e incentive estes valores.