Três anos depois, chegou ao fim a pandemia no nosso país. Um período bastante desafiante, em que fomos confrontados com uma realidade para a qual não estávamos preparados. E três anos depois, ainda se procura perceber as dimensões que a covid-19 teve nas nossas vidas, sobretudo nas crianças.
De uma forma geral, as análises dos profissionais e dos psicólogos ajudam-nos a ter um vislumbre: temos crianças e jovens mais ansiosos, com falta de resposta adaptativas a situações comuns do dia a dia e que aprenderam a viver e a depender de um mundo liderado pelas redes sociais que, muitas vezes, passam uma imagem ilusória de uma vida perfeita.
Susana Melo, psicóloga com mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde, não tem dúvidas que, tendencialmente, as crianças se adaptam a mudanças e que somos nós, os adultos, mais rígidos e com dificuldade que complicamos esse processo aos mais novos.
A pandemia veio reforçar esta visão. As crianças criaram e aprenderam a viver num novo mundo onde as regras mandavam lavar e desinfetar as mãos, usar sempre máscara, estudar em casa e conversar e ver os amigos pelo telemóvel. Para os adultos, “o mundo em que viviam deixou de ser percecionado como seguro” e todos os medos foram transportados para os mais jovens, que, provavelmente, pela primeira vez, “lidaram com a possibilidade da perda dos seus entes mais queridos, além de ficarem retidos em casa sem a possibilidade de socializarem entre os pares”.
“Se num futuro surgir uma nova pandemia, a nossa atitude será muito mais tranquila e adaptativa às regras que nos forem impostas. No caso dos mais novos, a adaptação será ainda mais fácil.”
Susana Melo, psicóloga
As mudanças drásticas na nossa rotina implicaram, assim, consequências psicológicas, muitas delas relacionadas com o desempenho escolar e um aumento generalizado da ansiedade nas crianças.
Desempenho escolar
A pandemia foi responsável por vários danos em todas as etapas escolares. Numa primeira fase, as crianças e jovens conseguiram adaptar-se e cumpriram com os objetivos. Para Susana Melo, aqui foi crucial “o nível de escolaridade dos pais e capacidade económica dos mesmos, pois enquanto uns contaram com ajuda e dispositivos eletrónicos de primeira geração, outros contaram com pouco ou nada” o que, naturalmente, influenciou negativamente o progresso escolar. Para os professores, também tudo era novidade e houve um esforço para “se adaptarem às diferenças e proporcionar, sempre que possível, a igualdade entre os alunos”.
Porém, as principais mudanças surgiram nos momentos de avaliação. A exclusão de alguns exames e as avaliações baseadas apenas em trabalhos podem vir a ter repercussões no futuro das crianças, tanto a nível escolar como profissional. “A nível escolar já são notórias algumas dificuldades, mas, a nível profissional, poderemos vir a observar mais dificuldades no exercício do primeiro emprego e na adaptação exigente que um trabalho supõe”, explica.
Ansiedade e ataques de pânico
Passado estes dois anos e voltando à normalidade, começam a surgir as consequências da pandemia a nível social. Surgiu, de forma transversal, uma ansiedade generalizada, desde ataques de pânico a fobias sociais, sobretudo na camada adolescente. Para a psicóloga muitos jovens “deixaram de ter respostas adaptativas a situações comuns, tais como apresentar um trabalho à turma, um passeio escolar, uma discussão entre pares ou até lidar com uma nota que não coincidiu com a expectativa. O facto de passarem tanto tempo privados da socialização entres pares retirou-lhes as oportunidades que a vida proporciona de desenvolver respostas adaptativas aos problemas diários que vão surgindo”.
Nesse sentido, “trabalhei muito em clínica junto destas camadas mais jovens estratégias cognitivas e comportamentais para que o medo não tenha como resposta o evitamento nem despoletar sintomas de ansiedade”.
Redes sociais
Foi nesta altura também que as redes sociais assumiram um papel de grande relevância para os mais novos, pois, além de serem a melhor ferramenta para permitir o contacto entre amigos, foi através das redes sociais que os jovens encontraram uma forma de se expressarem.
Como tal, as redes sociais ganharam um maior peso e influência nas crianças e adolescentes e não é por acaso que, nos últimos anos, surgiram novas profissões, como influencer ou youtuber, e são vários já os jovens que definem querer como profissão no futuro uma delas.
“Contudo, nem sempre o que é exposto é real e, muitas vezes, o olhar para vidas perfeitas despoleta um sentimento de fracasso por não alcançarmos o mesmo. Sendo os adolescentes influenciáveis por natureza, ainda mais pode gerar essas emoções negativas que em jovens mais carentes emocionalmente podem ser agravantes de patologias, tais como a depressão”.
As camadas mais jovens aprendem e funcionam por imitação e são expostas nas redes sociais comportamentos desviantes que levam à imitação dos mesmos. Este é um fator muito importante que todos os pais devem ter atenção e devem recorrer a ajuda de profissionais, desde ao psicólogo da escola, médico de família ou psicólogo privado, de forma a evitar tragédias maiores“, como as que, infelizmente foram já noticiadas.“
Susana Melo, psicóloga
O futuro
Claro que todas estas mudanças terão impacto nos futuros adultos, mas nem todos passaram pelo mesmo processo, pelo que uns terão mais resiliência que outros, uns suportes familiares mais equilibrados e todos estes fatores fazem a diferença no processo de crescimento.
Susana acredita que “ainda é cedo para fazer uma descrição concreta de como estas crianças e jovens enfrentarão o futuro”. Neste momento, estão a desenvolver e a criar estratégias de adaptação aos novos tempos e tudo isso “depende da sociedade e das ferramentas que nós adultos lhes vamos proporcionar”. Podemos estar perante uma geração que vai surpreender, muito pela sua capacidade de lidar com as adversidades ou, por outro lado, podem tornar-se adultos muito mais frágeis a nível emocional.
E no meio de tudo isto, qual o papel dos pais? “Os pais são o pilar dos filhos e podem – e devem – ajudar em todas as mudanças que vão surgindo. De que forma? Devem estar atentos a mudanças de comportamento significativas e persistentes, estarem disponíveis a escutar e compreender os sentimentos, terem abertura para a compreensão dessas mudanças, conversar muito sempre que possível e procurar ajuda quando sentirem que não estão a conseguir responder às necessidades emocionais dos seus filhos”.